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Lei n.º 93/2015, de 13 de Agosto – Segunda Alteração à Lei n.º 38/2012, de 28 de Agosto, que aprova a Lei Antidopagem no Desporto, adoptando na Ordem Jurídica Interna as regras estabelecidas no Código Mundial Antidopagem

Alexandre Miguel Mestre, Mestre em Estudos Europeus, Consultor, Abreu Advogados

1. No passado dia 13 de Agosto, foi publicada a Lei n.º 93/2015, de 13 de Agosto, que “procede à segunda alteração à Lei n.º 38/2012, de 28 de Agosto, que aprova a lei antidopagem no desporto, adoptando na ordem jurídica interna as regras estabelecidas no Código Mundial Antidopagem, alterada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de Junho”.

2. Esta lei surgiu, antes de mais, da necessidade de Portugal adaptar o seu regime jurídico de combate à dopagem às novas normas estabelecidas pelo novo Código Mundial Antidopagem (CMAD), que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015. Com efeito, ainda que as disposições do Código sejam obrigatórias e devam ser cumpridas por todas as entidades implicadas na luta contra a dopagem, o Código não substitui nem elimina a necessidade de adopção de normas específicas por parte de cada entidade implicada, designadamente os Estados.

3. Recorde-se que os Estados aderiram ao CMAD através da Convenção Internacional contra a Dopagem no Desporto e seus anexos I e II, adoptados pela 33.ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, em 19 de Outubro de 2005. Portugal aprovou tal convenção através do Decreto n.º 4-A/2007, de 20 de Março.

4. Conforme a Exposição de Motivos do projecto que esteve na base da lei em apreço – o Projecto-Lei n.º 889/XII/4.ª, apresentado a 30 de Abril pelos deputados dos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP – esta nova antidopagem lei surge também porque “(…) alguns princípios e disposições considerados fundamentais na luta contra a dopagem no desporto não foram incluídos na adaptação da legislação nacional (…)”.

5. No essencial, acompanhando a referida Exposição de Motivos e o texto da lei, identificam-se, de seguida, as principais alterações operadas pela Lei n.º 93/2015, de 13 de Agosto:
  • Actualização/alteração de algumas “definições” de conceitos ou expressões já existentes e inserção de novas “definições”, quais sejam «administração»; “auxílio considerável»; «controlo direccionado»; «culpa»; «fora de competição»; «passaporte biológico do praticante desportivo»; «praticante desportivo de nível nacional»; e «produto contaminado»;

  • Introdução do “conceito de passaporte biológico do praticante desportivo”, enquanto meio de recolha de dados susceptível de demonstrar o uso de uma substância proibida ou de um método proibido;

  • Previsão da possibilidade de a Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) aceder, recolher, conservar e proceder à transferência, transmissão ou comunicação de dados através da ferramenta informática internacional ADAMS (Anti-Doping Administration and Management System), “conforme recomendação prevista nas normas internacionais da AMA, sempre em pleno respeito pelos limites constitucionalmente consagrados”;

  • Alargamento do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional de 8 para 10 anos;

  • Consagração, de forma expressa, de que o ónus de prova da negligência ou do dolo, tratando-se de substâncias específicas ou de produtos contaminados, passa a estar do lado da ADoP;

  • Criação de dois novos tipos de violação de normas antidopagem, que passam a figurar no catálogo dos ilícitos disciplinares e dos ilícitos de mera ordenação social, a saber:
    (a) A assistência, o encorajamento, o auxílio, a instigação, a conspiração, o encobrimento ou qualquer outra forma de colaboração para a violação de uma norma antidopagem, ou tentativa de violação de uma norma antidopagem, ou para a violação da proibição de participar em competição desportiva durante um período de suspensão, por outra pessoa; e

    (b) A associação, na qualidade de profissional ou outra de âmbito desportivo, salvo se conseguir demonstrar que a associação não ocorreu nessa qualidade, depois de devidamente notificado pela ADoP, a membro do pessoal de apoio que:

    (i) Estando sujeito à autoridade de uma organização antidopagem, esteja a cumprir um período de suspensão da actividade desportiva;

    (ii) Não estando sujeito à autoridade de uma organização antidopagem, tenha sido sancionado criminal ou disciplinarmente, nos últimos seis anos ou em período superior, caso a sanção seja superior, por uma conduta que teria sido qualificada como violação de norma antidopagem, caso a esse comportamento tivesse sido aplicado o regime jurídico da luta contra a dopagem;

    (iii) Actue como representante ou intermediário de pessoa que se encontre numa das situações previstas nas subalíneas anteriores.

  • Na procura de “(…) um novo paradigma sancionatório, mais flexível e adequado aos princípios da dignidade da pessoa humana, da culpa e da proporcionalidade”, prevê-se, no âmbito do ilícito disciplinar, o seguinte:

    (a) Em caso de primeira infracção, a pena de suspensão da actividade física desportiva aplicável ao praticante desportivo ser, em regra, de 2 anos, no caso de negligência, e de 4 anos, no caso de dolo;

    (b) Nas segundas infracções, a eliminação da tabela anexa à lei anterior, criando-se um “um regime uno e mais simplificado”;

  • Previsão de que o regime de eliminação ou de redução do período de suspensão deixa de ter por base circunstâncias excepcionais, podendo ser aplicável, de forma ordinária, sempre que se encontrem preenchidos diversos requisitos legais;

  • Introdução de algumas modificações quanto ao período em que os praticantes desportivos se encontram suspensos, “clarificando determinados aspectos relativos à contabilização desse período de tempo, ao estatuto dos praticantes e à invalidação de resultados.”.


6. Registe-se ainda uma questão relevante, que se prende com a resolução de conflitos emergentes em matéria de dopagem. De acordo com o n.º 3 do artigo 77.º da lei em apreço – redacção já constante da Lei n.º 38/2012, de 28 de Agosto, “[a]té à criação e funcionamento do Tribunal Arbitral do Desporto, a impugnação das decisões de aplicação de coima ou de sanção disciplinar é feita para o tribunal administrativo competente”. Ora, tendo presente a Declaração do Presidente do Comité Olímpico de Portugal, de 2 de Julho (e normas legais aí invocadas), é de concluir que a partir de 1 de Outubro já será o TAD a conhecer dos recursos das deliberações tomadas por órgãos disciplinares das federações desportivas ou pela ADop, numa arbitragem que é necessária (artigo 5.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto – a “Lei do TAD”- aprovada em anexo à Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respectiva lei, alterada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de Junho). Esta matéria não poderá ser objecto de recurso à mediação (artigo 65.º da “Lei do TAD”).

7. Realce-se ainda que o legislador conferiu às federações desportivas e ligas profissionais um prazo de 120 dias, a contar da data de entrada em vigor da lei, para efectuarem a necessária adaptação dos seus regulamentos ao disposto nesta nova lei.

8. Uma nota final para assinalar que esta lei, não sendo perfeita, é, em todo o caso, um importante avanço do nosso País no combate ao flagelo na dopagem, contribuindo para a harmonização dos esforços antidopagem a nível nacional, ao nível de políticas e regras. Depois de, em 15 de Novembro de 2013, a revisão do CMA ter sido aprovada por unanimidade (na Conferência Mundial de Doping no Desporto, realizada em Joanesburgo, África do Sul), as autoridades públicas e as organizações desportivas, designadamente as Portuguesas, têm mesmo de se continuar a mobilizar, dando plena execução dos comandos da lei em apreço, na protecção de bens jurídicos supremos como a ética desportiva e a saúde pública.