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Lei n.º 144/2015, de 8 de setembro – Resolução Alternativa de Litígios de Consumo

Telma Hirata, Advogada, Abreu Advogados

1. No último dia 23 de setembro, entrou em vigor a Lei n.º 144/2015, de 8 de setembro – resultado da transposição da Diretiva 2013/11/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013 –, que estabelece e aprimora o enquadramento jurídico dos mecanismos de resolução extrajudicial de litígios de consumo.
A nova lei aplica-se aos procedimentos de resolução extrajudicial de litígios nacionais e transfronteiriços que venham a ser promovidos por um entidade de resolução alternativa de litígios (RAL), desde que estes sejam instaurados a pedido do consumidor contra um fornecedor de bens ou prestador de serviços e o objeto de discussão respeite a obrigações resultantes de contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, inclusive os celebrados on line entre fornecedores de bens ou prestadores de serviços estabelecidos e consumidores residentes em Portugal ou em qualquer outro estado membro da União Europeia.
Todavia, ainda que resultem desses tipos de contratos, algumas obrigações encontram-se, expressamente, fora do âmbito de aplicação da nova Lei. Assim, não poderão ser submetidos à apreciação das entidades RAL, os litígios que respeitem a obrigações relacionadas aos setores da saúde e da educação, serviços (não económicos) de interesse geral, bem como os litígios de fornecedores de bens ou prestadores de serviços contra consumidores e os procedimentos apresentados por consumidores junto dos serviços de reclamações ou equivalentes dos fornecedores de bens, prestadores de serviços ou autoridades reguladoras setorialmente competentes que sejam geridos pelos próprios.

2. A Lei n.º 144/2015 criou a Rede de Arbitragem de Consumo, que agrega os centros de arbitragem de conflitos de consumo e tem por objetivo assegurar a coordenação, a utilização de sistemas comuns e uniformização de procedimentos de informação, mediação, conciliação e arbitragem desta natureza de conflitos, garantindo o funcionamento integrado destas entidades.
Para o efeito de assegurar aos consumidores elevada qualidade, imparcialidade, transparência, eficácia, independência, rapidez e equidade dos mecanismos de resolução alternativa dos litígios de consumo que pretendam instaurar contra fornecedores de bens ou prestadores de serviços estabelecidos em Portugal ou na União Europeia, a Lei estabeleceu obrigações para as entidades que pretendam funcionar na resolução alternativa de litígios de consumo nacional ou transfronteiriços por forma a garantir a efetividade dos princípios orientadores e específicos dos procedimentos dessa natureza, nomeadamente os princípios da imparcialidade, transparência, eficácia, independência, rapidez e a equidade.
Além do cumprimento das obrigações previstas na lei, as entidades que pretendam desenvolver as suas atividades na resolução alternativa de litígios deverão, obrigatoriamente, inscrever-se na Direção Geral do Consumidor (DGC), órgão a quem compete organizar a inscrição e divulgação da lista das entidades RAL estabelecidas e autorizadas, fiscalizar o acompanhamento do funcionamento das mesmas, avaliando o cumprimento das obrigações legais.
No momento da respectiva inscrição na lista de entidades RAL, a entidade interessada deverá fornecer, obrigatoriamente, à DGC, a sua identificação, as suas regras processuais, o valor das taxas a cobrar, a duração média dos procedimentos e os tipos de litígios abrangidos; informações que serão consideradas na elaboração e envio da lista das entidades de RAL à Comissão Europeia, para posterior divulgação nos sítios eletrónicos na internet das associações de consumidores e de fornecedores de bens ou de serviços, no portal do cidadão, bem como por qualquer outro meio considerado adequado.
Concretizando o direito do consumidor à informação, a Lei obriga ainda que os fornecedores de bens ou prestadores de serviços informem, expressa e claramente, os consumidores acerca da existência das entidades de RAL disponíveis ou a que se encontram vinculadas por adesão ou por disposição legal decorrente da arbitragem necessária, indicando-lhes o endereço eletrónico dessas entidades.
Se o contrato de compra e venda de bens ou serviços revestir a forma escrita ou caso se trate de contratos de adesão, as informações acerca das entidades de resolução de litígios de consumo deverão constar dos respectivos instrumentos, sob pena do incumprimento dessa obrigação constituir contraordenação punível com coima, cujo valor poderá variar entre 5.000 € e os 25.000 €.

3. Quanto ao acesso aos procedimentos de resolução alternativa de litígios de consumo, por um lado, o legislador procurou proteger – observadas as exceções acima referidas – todas as demais obrigações decorrentes de contratos de aquisição de bens e de prestação de serviços, abrangendo também os contratos celebrados on line. Impôs, por outro lado, às entidades de resolução alternativa de litígios nacionais e transfronteiriços, a obrigação de adesão à plataforma eletrónica de resolução de litígios de consumo on line, criada pelo Regulamento (U.E.) n.º 524/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Maio de 2013.
Ressalta-se ainda que o acesso aos procedimentos de resolução alternativa de litígios não depende da constituição de advogado e deverá, em regra, ser gratuito ou estar disponível contra o pagamento de uma taxa de valor reduzido.
Entretanto, tal acesso poderá ser recusado pela entidade de resolução alternativa de litígios, nos casos especificados na lei e desde que conste, também, das regras processuais adotadas pela entidade de RAL, uma das seguintes hipóteses legais de recusa: (i) o consumidor não ter tentado previamente contactar o fornecedor de bens ou prestador de serviços para expor a sua reclamação e procurar resolver o assunto; (ii) o litígio ser supérfluo ou vexatório; (iii) o litígio estar pendente ou ter sido já decidido por outra entidade de RAL ou por um tribunal judicial; (iii) o valor do litígio situar-se fora dos limites de valor predeterminados pela entidade de RAL e, finalmente, (iv) o consumidor não apresentar a reclamação à entidade de RAL dentro do prazo previamente estabelecido, o qual não pode ser inferior a um ano a contar da data em que o consumidor tenha apresentado a reclamação ao fornecedor de bens ou prestador de serviços, quando estejam em causa procedimentos de natureza voluntária.
No prazo máximo de 90 dias, a contar da data do recebimento do processo de reclamação pela entidade RAL, o procedimento de resolução alternativa de litígios deverá ficar decidido. Tal prazo, entretanto, poderá ser prorrogado por iguais períodos, no máximo por duas vezes, pela entidade de resolução alternativa de litígios, no caso de se verificar especial complexidade da questão, devendo as partes ser informadas da prorrogação do prazo e do tempo necessário previsto para a conclusão do procedimento.
De acordo com a Lei, os consumidores poderão ainda contar com a assistência do Centro Europeu do Consumidor no que diz respeito ao acesso à entidade RAL de outro Estado membro, competente para a resolução de um determinado litígio além-fronteiras, na medida em que é aquele Centro que desempenha a função de ponto de contacto nacional da plataforma eletrónica de resolução de litígios de consumo on line, acima referida.

4. Espera-se que com a vigência da Lei n.º 144/2015, e após o decurso do prazo de 6 meses concedidos às entidades e fornecedores para se adaptarem às novas regras, os consumidores tenham, efetivamente, à sua disposição o conjunto de informações e instrumentos que viabilizem o pleno exercício dos seus direitos mediante o acesso aos procedimentos de resolução alternativa de litígios, os quais, por imposição da lei, deverão, na prática, revelar-se imparciais, transparentes, céleres e eficazes. O tempo dirá se tais objetivos serão alcançados com este novo regime legal.