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Decreto-Lei n.º 36/2016, de 1 de Julho - Alterações da justiça tributária (autorizadas pela Lei do Orçamento de Estado para 2016)

Sara Soares, Mestre em Direito, Advogada, Abreu Advogados
Neide Duarte Pereira e Natacha Reinolds Pombo, Solicitadoras, Abreu Advogados


O Decreto-Lei n.º 36/2016, de 1 de Julho, na sequência da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 2016), veio alterar três diplomas: o Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT"), o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (“RCPIT") e o Regulamento das Custas dos Processos Tributários (“RCPT").

No CPPT foram introduzidas as seguintes alterações:

  1. correcção da remissão da alínea b), do artigo 177.º-C, do CPPT, para o n.º 10, do artigo 19.º, da Lei Geral Tributária (“LGT"), relativamente aos sujeitos passivos cuja consulta da sua situação tributária e contributiva, por parte dos serviços públicos, está dependente do consentimento do próprio - a que se refere o artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 114/2007, de 19 de Abril -, ficando, deste modo, o sujeito passivo dispensado, no relacionamento com tais serviços, da apresentação de certidão comprovativa da situação tributária ou contributiva;

  2. eliminação da obrigação formal da leitura em voz alta do auto de penhora de bens móveis, determinada pela alínea c), do artigo 221.º;

  3. descentralização da competência para a determinação da modalidade de venda dos bens penhorados, prevista no n.º 5, do artigo 248.º e na alínea c), do n.º 1, do artigo 252.º, passando aquela do dirigente máximo do serviço para o órgão de execução fiscal que, de acordo com o disposto no artigo 149.º do CPPT, é o serviço da administração tributária onde deve legalmente correr a execução. Ocorre, deste modo, um alargamento desta competência, que antes estava concentrada no titular do cargo de dirigente do órgão máximo do serviço e agora se estende ao serviço.


No RCPIT foi efectuada a seguinte alteração:

  1. concretização do preenchimento do conceito de acção inspectiva interna, contido na alínea a) do artigo 13.º, que antes se caracterizava por se reportar aos “(…) actos de inspecção que se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos", através do aditamento da expressão “por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento". A alínea b) do mesmo preceito legal, referente ao conceito de acção de inspecção externa, manteve-se inalterada, continuando este tipo de acção a ser associada a actos de inspecção que se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.
    A respeito desta distinção, a maioria da jurisprudência e da doutrina produzidas nesta matéria admitiam já que a acção de inspecção interna compreendia, não apenas a análise, efectuada exclusivamente nas instalações da Autoridade Tributária (“AT"), de elementos por esta já detidos, constantes do respectivo cadastro, como igualmente de elementos que fossem entretanto obtidos, resultando designadamente de pedidos dirigidos aos sujeitos passivos1. Temos assim que a nova redacção dada à alínea a) do artigo 13.º do RCPIT parece ter acolhido este entendimento, reconhecendo que os documentos em análise poderão constituir elementos que a AT tivesse na sua posse de antemão ou a que tenha tido acesso apenas no âmbito do procedimento.
    É de salientar, a este propósito, que apesar de a classificação da inspecção que é efectuada pela AT não ter carácter vinculativo, o facto de a inspecção ser qualificada como interna ou externa revela-se de especial importância, se nos lembrarmos que disso dependem questões determinantes no procedimento que apenas ocorrem quando a inspecção tem carácter externo, como sejam, designadamente, (1) a suspensão do direito à liquidação, prevista no n.º 1 do artigo 46.º da LGT, (2) a obrigatoriedade de notificação do sujeito passivo do início da acção inspectiva, nos termos do disposto no artigo 49.º do RCPIT e (3) a aplicação do princípio da irrepetibilidade, previsto no n.º 4 do artigo 63.º da LGT, segundo o qual só pode existir mais do que um procedimento inspectivo externo, relativamente ao mesmo sujeito passivo, ao mesmo tributo e ao mesmo período de tributação, mediante decisão fundamentada com base em factos novos.


No RCPT foram introduzidas as seguintes alterações:

  1. alargamento da redução da taxa de justiça para 1/3 aos pagamentos voluntários efectuados até o termo do prazo concedido para apresentar oposição à execução fiscal, tendo sido alterada a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º e revogada a alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo, que previa a redução da taxa de justiça para 3/4 no mesmo caso.
    Com esta alteração, a redução da taxa de justiça deixa de aplicar-se apenas em benefício daqueles que efectuarem o pagamento da dívida antes de ocorrida a citação em sede de processo de execução fiscal, sendo alargada aos executados que efectuem o pagamento da dívida em cobrança coerciva até 30 dias após a citação.


  2. determinação, no n.º 5 do artigo 20.º, do ressarcimento da AT através do pagamento dos encargos suportados, nos casos em que esta cobra, através de processos de execução fiscal, quantias devidas a entidades externas e as mesmas venham a ser anuladas.
    A introdução desta norma está em linha com o facto de ser à AT que compete actualmente cobrar coercivamente um considerável número de dívidas das quais não é a credora, de que são exemplo as dívidas de taxas de portagem (cfr. artigo 17.º-A, da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho), taxa de segurança alimentar (cfr. artigos 7.º, n.º 3, e 11.° da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho) e taxas relativas ao uso privativo dos bens do domínio público (cfr. artigo 20.º, n.º 2, e 23.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 216/2009, de 4 de Setembro).


  3. As restantes alterações introduzidas no RCPT respeitam ao procedimento de verificação e graduação de créditos em processo de execução fiscal, em concreto quanto à isenção do pagamento da taxa de justiça, às consequências da omissão do pagamento da taxa de justiça devida e aos casos em que a mesma é restituída.
    Até à introdução, pelo Decreto-Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, do n.º 4 no artigo 9.º do RCPT, que determinou o pagamento de taxa de justiça com a apresentação de reclamação de créditos, o RCPT não continha qualquer norma especialmente dirigida ao procedimento de verificação e graduação de créditos em processo de execução fiscal.
    Só agora, com o diploma em análise, foram introduzidas normas específicas aplicáveis a este procedimento, concretamente nos artigos 17.º, 18.º e 19.º, que vieram determinar as seguintes alterações.

    1. a isenção do pagamento da taxa de justiça no procedimento de verificação e graduação de créditos fica dependente da invocação dos pressupostos legais da sua existência e da junção dos comprovativos de que a mesma depende na reclamação de créditos (n.º 2, do artigo 17.º).
      O aditamento deste número não é mais do que uma reprodução da norma que se encontra prevista na alínea t) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais (“RCP") – diploma de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º do RCPT –, que isenta do pagamento de custas “O exequente e os reclamantes, quando tenham que deduzir reclamação de créditos junto da execução fiscal e demonstrem já ter pago a taxa de justiça em processo de execução cível relativo aos mesmos créditos". Deste modo, fica isento do pagamento da taxa de justiça inicial o credor que reclame em processo de execução fiscal dívida pela qual já tenha pago a correspondente taxa de justiça no âmbito de outro processo, no qual se pretenda a cobrança coerciva da mesma dívida (por exemplo, execução cível), desde que o comprove na reclamação de créditos.

    2. não sendo efectuado o pagamento da taxa de justiça dentro do prazo determinado para o efeito – 10 dias a contar da data da apresentação da petição de acordo com o n.º 1 do artigo 17.º –, o mesmo deve ser espontaneamente efectuado nos 3 dias seguintes, com o acréscimo de taxa de justiça de igual montante (n.º 3 do artigo 18.º).

    3. não sendo cumpridos os prazos atrás referidos, incluindo o pagamento do respectivo acréscimo, o reclamante é excluído do procedimento de verificação e graduação de créditos, considerando-se a reclamação de créditos como não entregue para todos os efeitos legais (n.º 4, do artigo 18.º).
      De acordo com estas regras, se a taxa de justiça (incluindo o acréscimo de igual montante, devido nos termos do n.º 3 do artigo 18.º) não for tempestivamente paga pelo credor reclamante, o mesmo será automaticamente excluído do procedimento de verificação e graduação de créditos, considerando-se a reclamação como não entregue, para todos os efeitos legais.
      Parece-nos que esta consequência de exclusão do credor reclamante do procedimento será, porventura, excessivamente gravosa se, por exemplo, atendermos ao que dispõe o Código de Processo Civil (“CPC") nesta matéria. Com efeito, à luz deste diploma, a falta de junção do comprovativo de pagamento da taxa de justiça, dentro do prazo estipulado, não implica a recusa da peça processual, nos termos do n.º 3 do artigo 145.º do CPC, antes tendo como consequência a obrigação de a secretaria notificar a parte para proceder à junção do mesmo, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 570.º do mesmo CPC.
      As normas introduzidas no RCPT relativamente à falta de junção tempestiva do comprovativo de pagamento da taxa de justiça nas reclamações de créditos em processo de execução fiscal distanciam-se, assim, do disposto nas normas gerais previstas no CPC e poderão, no limite, considerar-se como estando em colisão com o direito constitucional de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, por implicarem a perda do direito de reclamar um crédito por via da criação de um requisito formal significativamente gravoso.

    4. só há lugar à restituição da taxa de justiça a quem a depositou nos seguintes casos: (i) pagamento de taxa de justiça sem apresentação da reclamação de créditos respectiva ou; (ii) pagamento em valor superior ao fixado na tabela a que se refere o n.º 4 do artigo 9.º, caso em que se restituirá apenas a diferença de valores (alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 19.º).
      É de salientar que, nos casos de restituição da taxa de justiça referidos supra, não se encontra expressamente incluída a situação em que ocorra a inutilidade superveniente relativa à reclamação de créditos apresentada, por exemplo, na possibilidade de o executado efectuar o pagamento voluntário da dívida reclamada, não vendo, neste caso, o credor reclamante apreciada a sua pretensão. Crê-se, contudo, que não terá sido propósito do legislador excluir o direito ao reembolso da taxa de justiça paga neste caso, uma vez que se trata de uma situação em que a reclamação não é apreciada.
      O mesmo acontece se tiver ocorrido o pagamento da totalidade da dívida em sede de execução fiscal. Este pagamento origina a extinção do processo de execução fiscal, podendo significar que a reclamação apresentada não é objecto de apreciação. Deste modo, parece-nos que, em ambos os casos, pese embora inexista previsão legal expressa, outra solução não haverá que não seja a de restituir a taxa de justiça paga.


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1 Neste sentido, cfr. Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Anotado e Comentado, 1.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 81 e 82. Assim também, cfr., a título de exemplo, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.11.2014, processo n.º 01854/10.8BEBRG, disponível em www.dgsi.pt.