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Decreto-Lei n.º 86/2016, de 27 de Dezembro – Altera a regulamentação da Lei da Organização do Sistema Judiciário e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais de primeira instância

Filomena Maurício, Mestre em Direito, Advogada Estagiária, Abreu Advogados

1. Ao abrigo do programa do actual Governo Constitucional, no domínio “Melhorar a gestão do sistema judicial” 1, foram várias as mudanças elencadas, designadamente, o estabelecimento de um conselho de concertação para o sistema judicial (concretizador da fixação de metas para cada tribunal tendente à redução dos prazos processuais), a implementação de um regime de incentivos à produtividade das equipas no sentido de incrementar a celeridade processual, o desenvolvimento da capacidade de gestão dos tribunais, o estabelecimento de boas práticas e a possibilidade de distribuição, na justiça cível, de actos processuais para tribunais com menor carga processual. Todas estas medidas vieram potenciar a alteração da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, também conhecida por Lei da Organização do Sistema Judiciário (em diante, “LOSJ”).
Neste sentido, em virtude da necessidade de reaproximação dos cidadãos aos órgãos de jurisdição, fomentando assim o acesso à justiça, o Conselho de Ministros aprovou em acrescento a modificação da regulamentação da LOSJ, estabelecendo o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais de primeira instância. De acordo com o comunicado do Conselho de Ministros “as alterações aprovadas introduzem os ajustamentos estritamente indispensáveis para assegurar a proximidade recíproca da justiça e dos cidadãos, em dois segmentos que se têm como fundamentais: no plano dos julgamentos criminais e no domínio da jurisdição de família e menores” 2.
Destarte, a organização do sistema judiciário foi objecto de duas modificações legislativas: a primeira delas através da Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro (primeira alteração à LOSJ), e a segunda através do Decreto-Lei n.º 86/2016, de 27 de Dezembro (regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais de primeira instância).
O primeiro passo para a redução dos constrangimentos existentes foi dado pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, que manteve o desenho da divisão judiciária do território, as áreas de especialização, o modelo de gestão e a respectiva estrutura orgânica.
No que respeita à segunda alteração de cariz legislativo introduzida pelo Decreto-Lei n.º 86/2016, de 27 de Dezembro, esta veio propor uma mudança da regulamentação da LOSJ, com a configuração que lhe foi determinada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro.

2. No essencial, o Decreto-Lei n.º 86/2016 introduziu seis alterações.
2.1. Visando a necessária “aproximação entre o tribunal que julga a causa criminal e o local da comissão dos factos submetidos a julgamento, com ganhos evidentes também para o esclarecimento desses factos” 3, procede à reactivação das vinte circunscrições extintas4 com a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
2.2. A segunda alteração veio modificar o perímetro geográfico das respectivas circunscrições territoriais no interior de algumas comarcas, criando sete novos juízos de família e menores5, restituindo essa competência a aproximadamente vinte e cinco juízos locais, que, por força das características geográficas e, paralelamente, da escassa oferta de transportes públicos, não proporcionam a especialização.
2.3. Na sequência do aumento do volume processual, a terceira alteração legislativa veio tentar colmatar as pendências processuais através da criação de quatro novos juízos de competência genérica6.
2.4. A quarta está associada ao propósito de evitar ou de minimizar os conflitos de competência, assim como obviar ao atraso no julgamento da causa perante a falta de tribunal competente. Neste sentido, prevê-se a adopção de um conjunto de soluções relacionadas com a estabilização da competência do juízo já instalado e com a maximização da aquisição de competência pelos juízos a reactivar ou criados ex novo.
2.5. Com o escopo de prevenir a ocorrência de constrangimentos na organização judiciária existente, a quinta alteração não dá azo a situações de transferência automática de processos, uma vez que os processos pendentes permanecerão nos ressurgidos juízos, transitando apenas para os juízos criados ex novo – tendo em conta as regras de competência material e territorial –, os processos em que não tenha sido proferida decisão final. Para o efeito, será necessária a apresentação de requerimento por parte de qualquer sujeito processual interessado. Assim, de acordo com o n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 86/2016, a regra quanto aos processos pendentes será a de que os mesmos se irão manter nos juízos resultantes da redenominação prevista no artigo 2.º (v. infra). O n.º 2 do aludido artigo 9.º, por seu turno, prevê, no entanto, que apenas transitam para os juízos de família e menores e, bem assim, para os juízos de competência genérica e de competência especializada (ainda de acordo com as regras de competência material e territorial), os processos elencados nas alíneas do n.º 2 do artigo 9.º em que não tenha sido proferida decisão final do diploma legal em análise.
2.6. Por último, a sexta alteração promovida pelo Decreto-Lei n.º 86/2016 é a que se encontra consagrada no seu artigo 2.º, relativa à redenominação das secções. Assim: (i) as secções cíveis passarão a ser novamente apelidadas de juízos centrais cíveis; (ii) as secções criminais de juízos centrais criminais; (iii) as secções de instrução criminal de juízos de instrução criminal; (iv) as secções de família e menores de juízos de família e menores; (v) as secções do trabalho como juízos do trabalho; (vi) as secções de comércio como juízos de comércio; (vii) e as secções de execução denominam-se como juízos de execução. No que concerne às secções das instâncias locais, as secções de competência genérica passarão a nominar-se juízos de competência genérica, as secções de competência genérica desdobradas em secções cíveis passarão a juízos locais cíveis, as secções de competência genérica desdobradas em secções criminais passarão a denominar-se juízos locais criminais, as secções de competência genérica desdobradas em secções de pequena criminalidade passarão a ser juízos locais de pequena criminalidade e, por último, as secções de proximidade passarão a apelidar-se de juízos de proximidade.
A este respeito diga-se que um dos objectivos do Ministério da Justiça resulta do facto de as até agora secções de proximidade deixarem de ser consideradas como um front office apenas de recepção de documentos para passarem a exercer o poder jurisdicional na sua plenitude7.
2.7. Tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 16.º, o Decreto-Lei n.º 86/2016 entrará em vigor a partir do dia 1 de Janeiro de 2017, à excepção dos juízos de família e menores de Alcobaça, Leiria e do Marco de Canavezes, que, segundo o n.º 2 do artigo 13.º do diploma, só passarão a vigorar na data a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.


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1 Cfr. Programa do XXI Governo Constitucional 2015-2019. Disponível em: < href="http://www.portugal.gov.pt/media/18268168/programa-do-xxi-governo.pdf">http://www.portugal.gov.pt/media/18268168/programa-do-xxi-governo.pdf.
2 Cfr. alteração à regulamentação da lei da organização do sistema judiciário aprovada. Disponível em: http://www.portugal.gov.pt/pt/ministerios/mj/noticias/20161222-mj-org-sist-judic.aspx.
3 Cfr. Considerando V do texto preambular do Decreto-Lei n.º 86/2016, de 27 de Dezembro.
4 Assim, as vintes circunscrições que serão reactivadas serão as de Sever do Vouga, Penela, Portel, Monchique, Meda, Fornos de Algodres, Bombarral, Cadaval, Castelo de Vide, Ferreira do Zêzere, Mação, Sines, Paredes de Coura, Boticas, Murça, Mesão Frio, Sabrosa, Armamar, Resende e Tabuaço.
5 Assim, os sete novos juízos de família e menores serão os de Fafe, Leiria, Alcobaça, Mafra, Vila do Conde, Marco de Canaveses e Abrantes.
6 Os quatro novos juízos de competência genérica serão os de Miranda do Douro, Nisa, Castro Daire e Oliveira de Frades.
7 Cfr. “Parlamento aprovou a primeira alteração à organização do sistema judiciário”. Disponível em: http://www.portugal.gov.pt/pt/ministerios/mj/noticias/20160930-mj-mapa-judiciario.aspx.