Fórum Jurídico

Texto PequenoTexto NormalTexto Grande

 

Decreto-Lei n.º 19/2017, de 14 de Fevereiro – Estabelece um sistema electrónico de comunicação dos dados dos viajantes e das respectivas aquisições que pretendam beneficiar da isenção de IVA nas compras realizadas em Portugal

Sara Soares, Mestre em Direito, Advogada, Abreu Advogados
Sílvia Bessa Venda, Mestre em Direito, Advogada Estagiária, Abreu Advogados


1. Introdução

1.1. O Decreto-Lei n.º 19/2017, de 14 de Fevereiro1, veio regular a aplicação da isenção de Imposto sobre o Valor Acrescentado2 prevista no artigo 14.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA3, quanto às transmissões de bens para fins privados efectuadas a adquirentes com domicílio ou residência habitual fora da União Europeia4, revogando o Decreto-Lei n.º 295/87, de 31 de Julho5, que anteriormente disciplinava a mesma matéria.

1.2. Com efeito, na sequência do aumento do turismo que se tem verificado em Portugal e de modo a promover as aquisições dos viajantes sem descurar o controlo dos requisitos da isenção, o Governo, no uso de uma autorização legislativa concedida pela Lei do Orçamento do Estado para 20166, com o DL n.º 19/2017 criou um sistema electrónico que permitirá “uma maior celeridade no procedimento de verificação dos pressupostos da isenção, assim como a recolha de informação relevante para a definição de critérios de risco com vista à prevenção e controlo da fraude”.

2. Âmbito de aplicação da isenção

2.1. Nos termos do artigo acima referido, estão isentas7 de IVA as transmissões de bens feitas a um adquirente sem domicílio ou residência habitual num Estado-Membro que, até ao fim do terceiro mês seguinte, os transporte na sua bagagem pessoal para fora da UE8. Esta norma constitui a transposição, para o ordenamento jurídico português, do artigo 146.º, n.º 1, alínea b), da Directiva n.º 2006/112/CE9, a qual estabelece o regime da isenção aplicável aos bens transportados na bagagem pessoal de viajantes no artigo 147.º. Esta isenção, relativa a transmissões de bens para fins privados, é reafirmada no artigo 1.º, n.º 1, do DL n.º 19/2017. Não obstante, este diploma não se aplica a bens adquiridos noutros Estados-Membros10.
O artigo 1.º, n.º 2, do DL n.º 19/2017 manda atender à natureza e quantidade do bem, de modo a aferir se deve presumir-se que foi adquirido para fins comerciais ou não11. A não residência na UE deverá resultar provada através de “qualquer documento de identificação oficialmente reconhecido como válido”, salvo se a Autoridade Tributária e Aduaneira12 apure o contrário, através de elementos à sua disposição13.

2.2. A isenção não se aplica a aquisições cujo valor constante da respectiva factura seja inferior a € 75,00, líquido de imposto. O aumento do limiar mínimo, que no Decreto-Lei n.º 295/87 era de € 49,88, deveu-se, essencialmente, à circunstância da actualização do regime em vigor. Esta isenção também não se aplica a bens de abastecimento ou equipamento de meios de transporte de uso privado14.

3. Sistema electrónico de controlo

3.1. No regime anterior, o controlo dos pressupostos de que dependia a aplicação de isenção de IVA, designadamente a saída do bem do território nacional para um país terceiro, era manual. Ou seja, o sujeito passivo entregava à AT os impressos anexos ao diploma revogado - passados em 4 exemplares, destinando-se o quadruplicado ao vendedor e os restantes ao adquirente -, documentando as transmissões dos bens em causa, para confirmação da exportação, e remetia ao vendedor o original15.

3.2. Com o novo sistema, o vendedor passa a comunicar, em tempo real, por via electrónica, os seguintes dados à AT:

  1. identificação do viajante;

  2. identificação da(s) fatura(s)16;

  3. descrição da quantidade, designação usual e valor dos bens;

  4. valor do imposto e respectivas taxas que incidiriam sobre a transmissão se esta não estivesse isenta17.

Nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do DL n.º 19/2017, “Quando a restituição ao viajante dos montantes retidos a título de caução [como veremos] não seja feita diretamente pelos sujeitos passivos vendedores (…) estes comunicam ainda o número de identificação fiscal da entidade que procede a essa restituição”.

3.3. Pela mesma via, a AT, com a certificação de saída dos bens, comunica ao vendedor que estão reunidos os requisitos para a verificação da isenção. Quando aquela certificação for efectuada por outro Estado-Membro, os documentos relevantes (devidamente visados, para efeitos da confirmação da isenção) devem ser devolvidos ao vendedor, por um terceiro por conta deste ou pelo próprio adquirente, o qual, por sua vez, comunica a sua recepção à AT18.

4. Caução e liquidação do imposto

4.1. À semelhança do que previa o regime anterior19, no âmbito destas operações, o vendedor pode sempre exigir do adquirente, a título de caução, o montante do imposto que seria devido, desde que cancele o instrumento de caução ou devolva o respectivo valor20, no prazo de 15 dias após a comunicação ou recepção dos documentos supra referidos21. Neste caso, o vendedor poderá apenas deduzir do montante objecto de devolução os eventuais custos incorridos com a mesma.

4.2. Se passados 150 dias da transmissão dos bens, o vendedor não tiver na sua posse a comprovação da saída dos mesmos do território da UE, deverá liquidar o imposto correspondente até ao fim do período declarativo seguinte àquele em que terminou o referido prazo22.

5. Entrada em vigor
O DL n.º 19/2017 entrará em vigor no dia 1 de Julho de 2017, com excepção da sua norma transitória23, que apenas entrará a 1 de Janeiro de 201824. Com efeito, aquela norma prevê que, até 31 de Dezembro deste ano, os sujeitos passivos que efectuem transmissões de bens isentas ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1, alínea b, do Código do IVA, possam optar por continuar a aplicar o procedimento de controlo manual, previsto no Decreto-Lei n.º 295/87. Ou seja, o vendedor pode, até àquela data, optar por afastar o procedimento de comunicação electrónica acima exposto, continuando a emitir os impressos anexos ao diploma revogado para documentar este tipo de operações.

_______________________
1 Doravante “DL n.º 19/2017”.
2 Adiante “IVA”.
3 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.
4 Doravante “UE”.
5 Cfr. artigo 10.º do DL n.º 19/2017.
6 Artigo 151.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.
7 A isenção em apreço constitui uma “isenção completa”, i.e., confere o direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo a montante, no que respeita ao imposto suportado nas operações passivas, ainda que a operação activa esteja isenta deste imposto. Vide Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, p. 314, segundo o qual, o propósito deste tipo de isenção é o de “garantir que os bens são exportados livres de imposto oculto e tributados unicamente no destino”.
8 Vide Clotilde Celorico Palme e António Carlos dos Santos, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, p. 192. Sobre a distinção entre exportações e transacções intra-UE, para efeitos de IVA, vide Catarina Rivotti, O IVA na Exportação, in Cadernos IVA 2013, Católica Tax, Almedina, 2013, p. 87.
9 Do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (adiante “Directiva IVA”).
10 Cfr. artigo 8.º do DL n.º 19/2017, nos termos do qual, sempre que estes sejam apresentados para controlo numa estância aduaneira portuguesa, “a certificação [deve ser] feita sobre os documentos emitidos nos termos da legislação do país de origem”.
11 A formulação do anterior Decreto-Lei acrescentava que se devem entender feitas para fins privados as aquisições para ofertas ou para uso próprio ou de familiar.
12 Adiante “AT”.
13 Cfr. artigo 1.º, n.ºs 3, alínea a), e 4 do DL n.º 19/2017.
14 Cfr. artigos 2.º do DL n.º 19/2017, 14.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA e 146.º, n.º 1, alínea b), da Directiva IVA.
15 Cfr. artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 295/87.
16 As facturas, emitidas na forma legal, devem, ainda, à luz do artigo 4.º do DL n.º 19/2017, conter as seguintes menções, relativamente ao adquirente: identidade e domicílio ou residência habitual.
17 Cfr. artigo 3.º, n.º 1, do DL n.º 19/2017. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo “Quando a restituição ao viajante dos montantes retidos a título de caução [como veremos] não seja feita diretamente pelos sujeitos passivos vendedores (…) estes comunicam ainda o número de identificação fiscal da entidade que procede a essa restituição”.
18 Cfr. artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, do DL n.º 19/2017.
19 Cfr. artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 295/87.
20 Deduzidos os custos incorridos com a devolução.
21 Cfr. artigo 6.º do DL n.º 19/2017.
22 Cfr. artigo 5.º, n.º 4, do DL n.º 19/2017.
23 Cfr. artigo 9.º do DL n.º 19/2017.
24 Cfr. artigo 10.º do DL n.º 19/2017.