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Lei n.º 13/2017, de 2 de Maio - Alterações ao Regime de Responsabilidade Penal por Comportamentos Antidesportivos, ao Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online e ao Regime Jurídico da Exploração e Prática das Apostas Desportivas

João Rôlo Marques, Pós-Graduado em Direito e Finanças do Desporto, Advogado, Abreu Advogados

I - Introdução

No passado dia 2 de Maio de 2017 foi publicada em Diário da República a Lei n.º 13/2017, que veio introduzir no ordenamento jurídico português importantes e inovadoras alterações relacionadas com o fenómeno das apostas desportivas e os comportamentos ilícitos associadas ao mesmo (manipulação ilegal de jogos/resultados), habitualmente designados de “match-fixing”, procurando dessa forma incrementar o combate a estes últimos.
Este diploma legal teve origem, em Outubro de 2016, numa iniciativa da Federação Portuguesa de Futebol1 junto dos diversos grupos parlamentares e que mereceu o (célere) seguimento por parte dos deputados dos grupos parlamentares do PS, do PSD e do CDS-PP, através da apresentação dos respectivos projectos de lei sobre a matéria2, cuja apreciação e debate culminaram na apresentação de uma proposta final única e, após verificada uma unanimidade de todos os grupos parlamentares, na promulgação e publicação da Lei n.º 13/2017, de 2 de Maio.

II - Alteração da Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto (Regime de Responsabilidade Penal por comportamentos susceptíveis de afectar a verdade, a lealdade e a correcção da competição e do seu resultado na actividade desportiva)

A Lei n.º 13/2017, de 2 de Maio, procedeu à alteração dos artigos 2.º, 4.º, 6.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto (alterada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de Abril), destacando-se no âmbito dessas alterações o agravamento das molduras penais aplicáveis ao crime de corrupção passiva - cuja prática passa a implicar a condenação numa pena de prisão de 1 a 8 anos3 -, aos crimes de corrupção activa e tráfico de influências - cuja prática passa a ser punível com penas de prisão de 1 a 5 anos4 -, e ao crime de associação criminosa - estabelecendo que a chefia ou direcção de qualquer organização dirigida à prática dos crimes em causa é punida com pena de prisão de 2 a 8 anos5.

A Lei n.º 13/2017, de 02 de Maio procedeu ainda ao aditamento à Lei n.º 50/2007 dos artigos 3.º-A, 10.º-A, 11.º-A e 13.º-A, dos quais se destacam as seguintes inovações:


  1. A possibilidade de aplicação, cumulativamente com quaisquer outras medidas de coacção previstas no Código de Processo Penal6>, das medidas de coacção de suspensão provisória da participação de praticante desportivo, técnico desportivo, dirigente desportivo ou árbitro desportivo em competições desportivas e, no caso de pessoas colectivas desportivas, a suspensão da atribuição de subsídios, subvenções ou incentivos por parte do Estado e demais pessoas colectivas públicas, após a sua constituição como arguidos pela prática de crimes previstos na Lei n.º 50/20077;


  2. A tipificação dos crimes de oferta8 e recebimento9 indevido de vantagem - sendo a oferta punida com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias e o recebimento punido com pena de prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias - e do crime de aposta antidesportiva10 - punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 600 dias;


  3. A previsão de que aos instrumentos, produtos e vantagens relacionados com a prática de crimes previstos na Lei n.º 50/2007 se aplica o regime da apreensão e perda a favor do Estado previstos no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro11.


III - Alteração do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online, aprovado em anexo ao Decreto -Lei n.º 66/2015, de 29 de Abril

A Lei n.º 13/2017, de 2 de Maio, procedeu à criação de um n.º 6 no artigo 5.º do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online, introduzindo a proibição de realização de apostas desportivas online em qualquer evento, prova ou competição desportiva que envolva escalões de formação, entendendo-se como tais todos aqueles que são anteriores ao escalão de seniores.

IV - Alteração do Regime Jurídico da Exploração e Prática das Apostas Desportivas à Cota de Base Territorial, aprovado em anexo ao Decreto -Lei n.º 67/2015, de 29 de Abril

À semelhança do sucedido com as apostas online, também no Regime Jurídico da Exploração e Prática das Apostas Desportivas à Cota de Base Territorial foi introduzido um n.º 4 no artigo 4.º, o qual já previa diversas proibições relacionadas com a realização de apostas de cariz desportivo, estabelecendo-se aqui também a proibição de realização de apostas desportivas em qualquer evento, prova ou competição desportiva que envolva escalões de formação.

V - Conclusões

A publicação da presente Lei representa, a título principal, um meritório esforço do legislador nacional no sentido de responder com celeridade e eficácia a um emergente e mediático fenómeno desportivo, o das apostas, que se encontra presentemente em franca expansão e constante mutação no nosso País, obrigando assim a que o processo legislativo tenha a capacidade de acompanhar a velocidade e complexidade desse fenómeno, introduzindo respostas prontas e incisivas às questões com as quais diariamente nos confrontamos, amplamente difundidas nos meios de comunicação social, relacionadas com a adulteração de jogos e/ou resultados de jogos desportivos (“match-fixing”).
Contrariamente ao defendido e pretendido, por exemplo, pela Federação Portuguesa de Futebol, e apesar do esforço de diminuição de distâncias realizado pelo legislador, a Lei continua a penalizar mais severamente os agentes desportivos aliciados dos que os seus aliciadores, tendo-se, quiçá, perdido uma excelente oportunidade de reverter esta situação de desequilíbrio de forças, atacando de forma mais incisiva a origem do problema e não penalizando de forma tão dura aqueles que, muitas vezes, são apenas mais uma das suas vítimas.
A finalizar, cumpre notar e realçar a preocupação do legislador nacional com as situações envolvendo as apostas nos escalões de formação, proibindo-as liminarmente, revelando assim uma atenção especial para o facto de, por um lado, existir a necessidade de proteger os jovens em formação (desportiva e social) dos diversos perigos associados a este fenómeno e, por outro, serem precisamente estes, os mais jovens, aqueles que, em regra, se encontram em situações de maior fragilidade (psicológica e económica), constituindo por esse motivo alvos mais fáceis para as organizações criminosas que procuram adulterar a verdade desportiva e, com isso, obter para si relevantes lucros provenientes das apostas realizadas nos jogos viciados.

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1 Cfr. notícia publicada no site da Federação Portuguesa de Futebol, disponível para consulta através do link http://www.fpf.pt/pt/News/Todas-as-not%C3%ADcias/Not%C3%ADcia/news/11039.
2 Projectos de Lei 348/XIII, 355/XIII e 365/XIII, disponíveis para consulta no site da Assembleia da República através do link http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheDiplomaAprovado.aspx?BID=19863.
3 Ao invés da anterior pena de prisão de 1 a 5 anos.
4 Ao invés da anterior pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
5 Ao invés da anterior pena de prisão de 1 a 5 anos, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
6 Livro IV, Artigos 191.º a 228.º, do Código de Processo Penal.
7 Cfr. Artigo 3.º-A da Lei n.º 50/2007.
8 Pratica este crime “o agente desportivo que, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, direta ou indiretamente, no exercício das suas funções ou por causa delas, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, de agente que perante ele tenha tido, tenha ou possa vir a ter pretensão dependente do exercício dessas suas funções” (cfr. artigo 10.º-A, n.º 1, da Lei n.º 50/2007).
9 Pratica este crime “quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a agente desportivo, ou a terceiro por indicação ou conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, no exercício das suas funções ou por causa delas” (cfr. Artigo 10.º-A, n.º 2, da Lei n.º 50/2007).
10 Pratica este crime “O agente desportivo que fizer, ou em seu benefício mandar fazer, aposta desportiva à cota, online ou de base territorial, relativamente a incidências ou a resultado de quaisquer eventos, provas ou competições desportivas nos quais participe ou esteja envolvido” (cfr. Artigo 11.º-A da Lei n.º 50/2007).
11 Cfr. Artigo 13.º-A da Lei n.º 50/2007.