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Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho – Altera o Código das Sociedades Comerciais e o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (II)

Paulo de Tarso Domingues, Doutor em Direito, Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Sócio, Abreu Advogados

1. A 30 de junho, do corrente ano de 2017, foi publicado o DL 79/2017 (entretanto objeto de retificação pela extensa Declaração de Retificação n.º 21/2017, de 25 de agosto), que procedeu a uma profunda alteração do CIRE e a uma pontual, mas importante, alteração do CSC, que respeita à admissibilidade da conversão de suprimentos em capital social.
São discutidas as vantagens e desvantagens da conversão de créditos em capital social, sendo, nos ordenamentos que nos são próximos, consagradas distintas soluções nesta matéria (o leitor interessado, pode recolher mais informação sobre o tema no meu Variações sobre o capital social, Almedina, 2009, pp. 223, ss.).

2. Em Portugal, e no que respeita às sociedades de capitais (SA e SQ), as contribuições para o capital social têm necessariamente que se reconduzir a entradas em dinheiro ou a entradas em espécie (cfr. art. 202.º, n.º 1 e 277.º, n.º 1 CSC, aplicáveis respetivamente às SQ e SA).
Ora, não sendo o crédito dinheiro, a entrada com um crédito constitui necessariamente uma entrada em espécie (uma vez que não há um tertium genus), a qual ficava, por isso, sujeita ao regime próprio das entradas em espécie, nomeadamente à avaliação do bem por parte de um ROC independente da sociedade e à chamada “responsabilidade pela diferença”, i. é, à responsabilidade do sócio, que realizou tal entrada, em caso de se verificar uma eventual avaliação errada do bem que constitui o objeto da sua entrada (cfr. arts. 28.º e 25.º, n.º 3 CSC).
Ora, foi este estado de coisas que o novo regime, introduzido pelo DL 79/2017 (que modificou os artigos 87.º, 88.º e 89.º CSC), veio alterar, permitindo agora que a conversão de um específico crédito (o crédito de suprimentos) em capital social passe a estar sujeita a regras diferentes das previstas para as demais entradas em espécie (nomeadamente das que são aplicáveis à entrada com qualquer outro tipo de crédito).

3. A primeira nota que importa sublinhar é que este novo regime, apesar de constar da Parte Geral do código é - conforme resulta, para além do mais, do art. 87.º, n.º 4 CSC - um regime exclusivo das sociedades por quotas, não se aplicando a qualquer outro tipo societário, nomeadamente às sociedades anónimas.

4. A finalidade da reforma é percetível e louvável, muito embora, pelas razões aduzidas infra, o seu sucesso na praxis societária possa ser muito duvidoso. Conforme se pode ler no Preâmbulo do DL, pretendeu-se criar “mecanismo simplificado de aumento do capital social por conversão de suprimentos”, dispensando-se, nesta hipótese, a deliberação da assembleia geral para proceder a tal operação, com o propósito de agilizar e facilitar, desta forma, a sua realização.

5. Em traços gerais, o novo regime traduz-se fundamentalmente no seguinte:
a) o sócio (ou conjunto de sócios) que tenha a maioria necessária para proceder a uma alteração do pacto (nas sociedades por quotas, essa maioria terá de corresponder, no mínimo, a 75% do capital social - cfr. art. 265.º, n.º 1 CSC), pode, por mera comunicação dirigida à sociedade, proceder a um aumento de capital por conversão dos suprimentos de que ele(s) seja(m) titular(es) nessa sociedade (cfr. art. 87.º, n.º 4 CSC);
b) para a conversão destes créditos em capital não é necessária a avaliação do crédito por parte de um ROC independente (ao contrário do que se estabelece, como regra geral, no art. 28.º CSC); basta que um contabilista ou um ROC certifique que o mesmo está contabilisticamente registado, mencionando a proveniência e a data do crédito (cfr. art. 89.º, n.º 4 CSC);
c) é atribuído ao(s) sócio(s) minoritário(s) um direito de oposição à realização da operação, a qual deverá ser deduzida, por escrito, no prazo de 10 dias após a comunicação que lhe(s) seja feita da operação (cfr. art. 87.º, n.º 5 CSC);
d) sendo tempestivamente deduzida oposição, a operação de aumento não produz efeitos (cfr. art. 87.º, n.º 5 CSC);
e) não sendo deduzida oposição, deve a gerência emitir a declaração prevista no artigo 88.º, n.º 2 CSC, a qual determina a data da produção dos efeitos do aumento de capital.

6. Esta atribuição individual, a todo e qualquer sócio, do direito de oposição à operação (oposição que não precisa sequer de ser motivada), tornará este regime muito pouco atrativo, na prática, na medida em que o sucesso da operação estará sempre dependente da vontade e dos caprichos dos sócios, uma vez que qualquer quotista (independentemente do valor da sua quota) pode impedir que a operação produza efeitos (cfr. art. 87.º, n.º 5 CSC).