Fórum Jurídico

Texto PequenoTexto NormalTexto Grande

 

Lei n.º 109/2017, de 24 de Novembro – Alterações ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras: idoneidade dos membros dos órgãos de administração e fiscalização, segredo profissional e concessão de crédito

Maria de Lurdes Costa, Advogada, Abreu Advogados

No passado dia 25 de Novembro entrou em vigor a Lei n.º 109/2017, de 24 de Novembro (a “Lei 109/2017”), que, com o objectivo de reduzir potenciais conflitos de interesse e reforçar os critérios de avaliação da idoneidade dos membros dos órgãos de administração e fiscalização das instituições de crédito, procedeu à 45.ª alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (o "Regime Geral"). Em análise breve, diremos que as alterações introduzidas no Regime Geral pela Lei 109/2017 visaram, por um lado, impor um maior rigor na selecção dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das instituições de crédito e, em consequência, fomentar uma melhor gestão dos negócios daquelas instituições, e reforçar a transparência do sistema financeiro nas matérias do segredo profissional e da concessão de crédito.

1. Da idoneidade dos membros dos órgãos de administração e fiscalização e conflitos de interesses

A adequação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização das instituições de crédito (e, por remissão do art. 174.º-A, também das sociedades financeiras) para o exercício das respectivas funções - que consiste na capacidade de assegurarem, em permanência, garantias de gestão sã e prudente das instituições de crédito, tendo em vista, de modo particular, a salvaguarda do sistema financeiro e dos interesses dos respectivos clientes, depositantes, investidores e demais credores - está sujeita a avaliação no decurso de todo o seu “mandato” para o exercício do cargo (art. 30.º, n.os 1 e 2, Regime Geral). Adequação esta que se afere em função do cumprimento dos requisitos de idoneidade, qualificação profissional, independência e disponibilidade, tal como definidos no Regime Geral (arts. 30º-A e ss).
Neste âmbito, a Lei 109/2017 introduziu no art. 30.º-D do Regime Geral (avaliação da idoneidade) uma nova circunstância, à luz da qual, e consoante a sua gravidade, há-de ser também aferida essa idoneidade dos candidatos a membros dos órgãos de administração e fiscalização das instituições de crédito e das sociedades financeiras: o currículo profissional e potenciais conflitos de interesse, quando parte do percurso profissional [do candidato] tenha sido realizado em entidade relacionada directa ou indirectamente com a instituição financeira em causa, seja por via de participações financeiras ou [por via] de relações comerciais.
Assim, compete agora, numa primeira linha, à instituição de crédito e, em sede de processo de autorização, ao Banco de Portugal, aferir se o percurso profissional do candidato, isto é, se o facto de este ter exercido funções em entidade relacionada com a instituição em causa, ainda que de forma indirecta, potencia conflitos de interesse no exercício do cargo que o mesmo se propõe exercer na instituição e se, no caso concreto, o potencial conflito determinará a falta de idoneidade do candidato para o exercício daquelas funções, caso em que a autorização para o exercício de funções deve ser recusada pelo Banco de Portugal.
Parece assim o legislador presumir que a ligação de membros de órgão de administração ou de fiscalização de uma instituição de crédito a entidade relacionada, influenciará as decisões a tomar no exercício daqueles cargos e que, como tal, deve condicionar a sua designação para o exercício de funções em instituição de crédito.
Note-se que o n.º 3 do art. 30.º-D determina que se deve ter em conta o currículo profissional do candidato e potenciais conflitos de interesse, consoante a sua gravidade. Pelo que se pode concluir que a aferição do potencial conflito há-de depender do cargo exercido, da entidade relacionada com a instituição de crédito que esteja em causa, bem como das relações existentes entre as duas entidades.
Note-se ainda que a avaliação da idoneidade de candidatos a membros de órgãos de administração e de fiscalização é efectuada, em primeira instâncoia, pela Instituição, cujo relatório de avaliação deve acompanhar o requerimento de autorização para o exercício de funções dirigido ao Banco de Portugal. Sendo certo que a falta de idoneidade dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização é fundamento de recusa da respectiva autorização para o exercício de funções. Ao que acresce que a referida autorização pode ser revogada a todo o tempo pelo Banco de Portugal, em face da ocorrência de circunstâncias supervenientes, susceptíveis de determinar o não preenchimento dos requisitos de que depende a autorização, designadamente a sua idoneidade (v. as medidas possíveis no art. 32º, em especial n.os 4 e 6, e, para a medida cautelar de suspensão provisória de funções, o art. 33º, sempre do Regime Geral; v. ainda o art. 70.º). Acrescente-se que, de acordo com o art. 22º, a autorização conferida pelo Banco de Portugal para a realização da actividade pela instituição de crédito pode ser revogada se “os membros dos órgãos de administração ou fiscalização não derem, numa perspetiva do órgão no seu conjunto, garantias de uma gestão sã e prudente da instituição de crédito”; tal medida fundamentar-se-á na “verificação de que os membros dos órgãos de administração ou fiscalização, em consequência do incumprimento das medidas previstas no artigo 32.º, deixaram no seu conjunto de dar garantias de gestão sã e prudente da instituição de crédito” (art. 22º, n.º 1, al. j), e n.º 2, Regime Geral).
Apesar de o elenco das circunstâncias a ser tomadas em consideração na avaliação da idoneidade do candidato para o exercício do cargo que pretende exercer não ser taxativo, o certo é que o aditamento deste novo critério importa, para a instituição de crédito, a análise de eventual conflito de interesses que a designação do membro em causa pode potenciar. Não se trata apenas de investigar a experiência, a qualificação profissional do candidato e o seu registo criminal. Trata-se agora de antecipar a conduta do candidato quando colocado perante o eventual conflito de interesses ditado pelo seu passado profissional. O que, diríamos, sempre dependerá também, e sobretudo, da sua personalidade e perfil de actuação.

2. Do dever de segredo

O dever de segredo dos membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito (e das sociedades financeiras), assim como dos seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional, tem consagração expressa no art. 78.º do Regime Geral. Este preceito determina que os obrigados ao dever de segredo não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes (designadamente, os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias), cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. Dever de segredo este que, recorde-se, não cessa com o termo das funções ou serviços.
No entanto, o art. 79.º do Regime Geral consagra, como excepções ao dever de segredo, (i) a autorização do cliente, (ii) a existência de disposição legal que expressamente limite o dever de segredo, ou (iii) a revelação dos factos e elementos abrangidos pelo dever de segredo a determinadas entidades, como sendo o Banco de Portugal, a Comissão dos Mercados de Valores Mobiliários, o Fundo de Garantia de Depósitos, o Sistema de Indemnização aos Investidores, o Fundo de Resolução e a Administração Tributária, desde que os factos e elementos lhe sejam revelados no âmbito das suas atribuições, bem como às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal.
Ao leque das entidades supra referidas, relativamente às quais os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo podem ser revelados, inclui-se agora, por via da alteração do art. 79.º do Regime Geral levada a cabo pela Lei 109/2017, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, desde que os factos e elementos lhe sejam revelados no âmbito das suas atribuições e apenas para esses fins. Esta alteração visou apenas facultar à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões o direito que já assistia às demais entidades de supervisão do sistema financeiro: o acesso a factos e elementos necessários ao desenvolvimento das suas atribuições.
Este princípio já se encontra consagrado no n.º 1 do art. 81.º do Regime Geral, sob a epígrafe “Cooperação com outras entidades”. Na verdade, o disposto no citado art. 81.º já permitia ao Banco de Portugal trocar informações (no âmbito das suas atribuições e nos termos autorizados) com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, a Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo, com autoridades, organismos e pessoas que exerçam funções equivalentes às destas entidades em outro Estado membro da União Europeia, entre outras.
Neste âmbito, ao leque das instituições referidas no citado n.º 1 do art. 81.º do Regime Geral, a Lei 109/2017 veio agora aditar o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros. Entidade que tem como objectivo, entre outros, a promoção da coordenação da actuação das autoridades de supervisão do sistema financeiro, e da qual são membros permanentes o Governador do Banco de Portugal, o Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, o Presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e o membro do Conselho de Administração do Banco de Portugal com o pelouro da supervisão.
Note-se, no entanto, que, não obstante admitir a troca de informações ao abrigo da cooperação entre entidades, o Regime Geral determina a sujeição das instituições que participem na referida troca de informações, ao dever de segredo (art. 81.º, n.º 5, Regime Geral).

3. Da concessão de crédito

O Regime Geral, no n.º 1 do seu art. 85.º sob a epígrafe “Crédito a membros dos órgãos sociais”, proíbe as instituições de crédito de conceder crédito, sob qualquer forma ou modalidade, incluindo a prestação de garantias, quer directa quer indirectamente, aos membros dos seus órgãos de administração ou fiscalização, e a sociedades ou outros entes colectivos por eles directa ou indirectamente dominados.
Deste princípio ressalvava-se o crédito concedido a membros do conselho geral e de supervisão que não integrem a comissão para as matérias financeiras, aos administradores não executivos das instituições de crédito que não façam parte da comissão de auditoria, nem a sociedades ou outros entes colectivos por eles dominados (cfr. art. 85.º, n.º 5 do Regime Geral). Na senda das referidas alterações introduzidas ao Regime Geral pela Lei 109/2017, e ainda sob a égide da prevenção de potenciais conflitos de interesse, da aferição destes e com vista a uma maior transparência do sistema financeiro, a Lei 109/2017 revogou o n.º 5 do citado art. 85.º. Pelo que, desde 25 de Novembro de 2017, as instituições de crédito estão proibidas de conceder crédito a todos os membros dos seus órgãos de administração e de fiscalização, incluindo os membros do seu conselho geral e de supervisão, e os seus administradores não executivos, bem como a sociedades ou outros entes colectivos por eles dominados.
A este sistema de controlo acresce que o Regime Geral (com o novo n.º 6 do seu art. 85.º) confere ao Banco de Portugal a faculdade de, nos termos do art. 109º, limitar a concessão de crédito a membros de outros órgãos das instituições de crédito, que considere exercerem funções equiparáveis às de administração e fiscalização (e às sociedades ou outros entes colectivos por eles dominados). Faculdade que, a ser exercida, condiciona o crédito a conceder pela instituição de crédito a cada um dos membros de outros órgãos sociais e a sociedades ou outros entes colectivos por eles dominados, em cada momento e no seu conjunto, a 10 % dos fundos próprios da instituição. Para além de que a concessão de crédito a membros de outros órgãos terá de ser aprovada por maioria qualificada de pelo menos 2/3 dos membros do órgão de administração e do parecer favorável do órgão de fiscalização da instituição de crédito.
Por fim, o novo n.º 8 do art. 85º determina: “Os membros do órgão de administração ou fiscalização de uma instituição de crédito não podem participar na apreciação e decisão de operações de concessão de crédito a sociedades ou outros entes coletivos não incluídos no n.º 1 de que sejam gestores ou em que detenham participações qualificadas, bem como na apreciação e decisão dos casos abrangidos pelo n.º 7 [ operações de concessão de crédito de que sejam beneficiárias instituições de crédito, sociedades financeiras ou sociedades gestoras de participações sociais que se encontrem incluídas no perímetro de supervisão em base consolidada a que esteja sujeita a instituição de crédito em causa, nem às sociedades gestoras de fundos de pensões, empresas de seguros, corretoras e outras mediadoras de seguros que dominem ou sejam dominadas por qualquer entidade incluída no mesmo perímetro de supervisão.], exigindo-se em todas estas situações a aprovação por maioria de pelo menos dois terços dos restantes membros do órgão de administração e o parecer favorável do órgão de fiscalização”.