Fórum Jurídico

Texto PequenoTexto NormalTexto Grande

 

Lei n.º 3/2018, de 9 de Fevereiro – Regime sancionatório aplicável ao desenvolvimento da atividade de financiamento colaborativo

Bernardo Teixeira de Abreu, Mestre em Direito (Forense), Pós-Graduado em Corporate Finance, Advogado, Abreu Advogados
Tomás Jonet, Advogado, Abreu Advogados


1. A Lei n.º 3/2018, de 9 de Fevereiro, veio definir o regime sancionatório aplicável ao desenvolvimento das atividades de financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo e através de donativo ou com recompensa.
O regime jurídico do financiamento colaborativo foi regulado pela Lei n.º 102/2015, de 24 de Agosto, que o veio definir como o tipo de financiamento de entidades, ou das suas atividades e projetos, através do seu registo em plataformas eletrónicas acessíveis através da Internet, a partir das quais procedem à angariação de parcelas de investimento proveniente de um ou vários investidores individuais.
Sucede que, nos termos dos artigos 25.º e 23.º da referida Lei n.º 102/2015, as disposições relativas ao financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo apenas entrariam em vigor após a aprovação dos regimes sancionatórios pela CMVM no prazo de 90 dias após a publicação da lei – i.e., a 22 de Novembro de 2015. A publicação do presente regime sancionatório, por via da Lei n.º 3/2018, vem finalmente determinar a entrada em vigor da Lei n.º 102/2015, de 24 de Agosto, na parte relativa ao financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo – que aliás tem assumido cada vez relevância no panorama nacional.

2. Cumpre sublinhar que a Lei n.º 102/2015 define critérios e requisitos para o exercício da atividade, esclarece os deveres a que tais atividades estão naturalmente sujeitas em função da atividade que prosseguem, e determina a aplicação, a este tipo de financiamentos, das regras aplicáveis às relações jurídicas subjacentes. Nessa sequência prevê ainda as seguintes modalidades de financiamento colaborativo em funções das quais a regulação e fiscalização serão exercidas:

  1. Financiamento colaborativo através de donativo, pelo qual a entidade financiada recebe um donativo, com ou sem a entrega de uma contrapartida não pecuniária;

  2. Financiamento colaborativo com recompensa, através do qual a entidade financiada fica obrigada à prestação do produto ou serviço financiado, em contrapartida pelo financiamento obtido;

  3. Financiamento colaborativo de capital, pelo qual a entidade financiada remunera o financiamento obtido através de uma participação no respetivo capital social, distribuição de dividendo ou partilha de lucros;

  4. Financiamento colaborativo por empréstimo ou “crowd lending”, através do qual a entidade financiada remunera o financiamento obtido através do pagamento de juros fixados no momento da angariação.

Em traços gerais, o regime distingue as duas últimas modalidades c) e d) supra quanto à sua função de investimento e de aforro e atribui à CMVM a competência para o exercício dos poderes de regulação, supervisão e fiscalização quanto às mesmas. Cabe-lhe, ainda neste âmbito, a competência para averiguação de infrações, instrução processual e aplicação de coimas e sanções acessórias no quadro desta atividade.
Por outro lado, no que concerne a atividade de financiamento colaborativo através de donativo ou com recompensa – muitas vezes numa lógica de mecenato ou de adiantamento em contrapartida de um bem ou de uma prestação de serviço a um consumidor –,compete à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) exercer a fiscalização, instrução processual e a aplicação de coimas e sanções acessórias.
Assim, e na sequência da distinção das diversas modalidades ali previstas, a Lei n.º 3/2018 regula separadamente o regime sancionatório relativo à atividade de financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo e aquele referente à atividade de financiamento colaborativo através de donativo ou com recompensa.

3. O regime sancionatório referente à atividade de financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo prevê a aplicação de coimas entre o limite mínimo de € 1.000,00 (mil euros), no caso de contraordenações leves, e o limite máximo de €1.000.000,00 (um milhão de euros), no caso de contraordenações muito graves. Em certas situações, nas quais o triplo do benefício económico do infrator exceda o limite máximo da coima aplicável, este limite máximo pode ainda ser estendido ao valor resultante do cálculo referido.
Podem ser aplicadas cumulativamente com as coimas referidas diversas sanções acessórias, de entre as quais destacaríamos a apreensão e perda do objeto da infração, incluindo o produto do benefício obtido através da prática da contraordenação; a interdição temporária do exercício pelo infrator da profissão ou da atividade a que a contraordenação respeita; a inibição do exercício de funções de administração, gestão, direção, chefia ou fiscalização em entidades sujeitas à supervisão da CMVM; e ainda o cancelamento do registo necessário para o exercício de atividades de financiamento colaborativo.
De referir ainda que as contraordenações graves ou muito graves são imputadas tanto a título de dolo como de negligência e que a tentativa é punível nestes casos.
Por outro lado, no que se refere ao regime sancionatório relativo à atividade de financiamento colaborativo através de donativo ou com recompensa, a lei vem discriminar diversamente os limites das coimas caso estejamos perante pessoas singulares ou coletivas. Este regime prevê a aplicação de coimas entre o limite mínimo de € 300,00 (trezentos euros), no caso de contraordenações leves praticadas por pessoas singulares, e o limite máximo de € 44.000,00 (quarenta e quatro mil euros), no que se refere a contraordenações muito graves praticadas por pessoas coletivas.
Apenas as sanções acessórias de apreensão e perda do objeto da infração, incluindo o produto do benefício obtido pelo infrator através da prática da contraordenação e a interdição temporária do exercício pelo infrator da profissão ou da atividade a que a contraordenação respeita até um prazo máximo de 2 anos são aplicáveis às contraordenações relativas ao financiamento colaborativo através de donativo ou com recompensa.
Também nestes a negligência é punível, sendo os limites mínimos e máximo das coimas reduzidos a metade, sendo-o também a tentativa, com a coima aplicável à contraordenação consumada especialmente atenuada.

4. Com mais de 2 anos de atraso, a publicação da Lei n.º 3/2018 vem assim determinar a entrada em vigor em pleno do regime do financiamento colaborativo, que constitui um setor crescente e com cada vez maior preponderância – era necessária. A inovação e conveniência das plataformas de financiamento colaborativo e a atratividade das mesmas face às demais alternativas no mercado, sobretudo nas modalidades de financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo têm conferido cada maior visibilidade a estas plataformas no setor financeiro. Porém, as referidas modalidades de financiamento colaborativo têm sido prejudicadas pela insegurança dos operadores associada à ausência de regulação e mesmo alguma relutância por parte do legislador quanto ao enquadramento legal aplicável que, até à data, poderiam contagiar os investidores mais conservadores e cautelosos.