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Decreto-Lei n.º 56/2018, de 9 de julho – Altera o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, o Regime Jurídico do Capital de Risco, do Empreendedorismo Social e do Investimento Especializado e as medidas de dinamização do mercado de capitais

Assunção Vassalo
Pós-Graduada em Contencioso Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Advogada Associada, Abreu Advogado


I. Introdução
O Decreto-Lei n.º 56/2018 (doravante apenas “o Decreto-Lei”), publicado no dia 9 de julho, veio proceder à quarta alteração ao Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (“RGOIC”), aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, à primeira alteração ao Regime Jurídico do Capital de Risco, do Empreendedorismo Social e do Investimento Especializado (“RJCRESIE”), aprovado pela Lei n.º 18/2015, de 4 de março e, por fim, à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 77/2017, de 30 de junho, que veio criar medidas de dinamização do mercado de capitais, com vista à diversificação das fontes de financiamento das empresas.
O Decreto-Lei entrará em vigor no dia 1 de agosto de 2018, por força da entrada em vigor da Lei n.º 35/2018, entretanto publicada a 20 de julho, que procedeu à transposição da DMIF II de 2014 (Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros, Diretiva 2014/65/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho).

II. Alterações ao RGOIC
O RGOIC sofreu inúmeras alterações.
A primeira a destacar prende-se com a concentração no RGOIC das regras relativas à organização e ao exercício da atividade de gestão de organismos de investimento coletivo (“OIC”) que, no passado, se encontravam previstas no Código dos Valores Mobiliários (“CVM”), tendo em vista melhorar a apreensão das regras que orientam a atividade das entidades gestoras de OIC, evitando que as mesmas se misturem com as regras gerais aplicadas à intermediação financeira.
Foi aditado ao RGOIC o artigo 128.º-A, sob a epígrafe de “Gestão de sistema centralizado”, que prevê um novo sistema de registo de unidades de participação. É, pois, concedida a hipótese de as entidades responsáveis pela gestão optarem pelo registo das unidades de participação dos OIC que gerem. A este respeito dispõe o n.º 2 do mencionado artigo que as instituições de crédito podem ser entidades gestoras de sistemas centralizados de valores mobiliários em relação às unidades de participação emitidas por cada OIC de que são depositários, independentemente de registo ou de autorização da CMVM, desde que se verifique a cumulação de diversas condições1. Fica assim esclarecido o alcance da possibilidade de a entidade gestora proceder ao registo dos participantes, solução essa já prevista nas diretivas europeias.
O RGOIC foi também alterado no que concerne à subscrição e resgate das unidades de participação. O n.º 5 do artigo 18.º foi alterado no sentido de permitir que os organismos de investimento alternativo de valores mobiliários abertos estabeleçam intervalos de subscrição e de resgate até ao limite máximo de seis meses. Esta solução possibilita uma gestão mais eficiente dos ativos, na medida em que permite que as entidades gestoras façam um planeamento atempado dos montantes de subscrições e de resgates a serem satisfeitos.
O artigo 18.º sofreu ainda outro aditamento. O novo n.º 6 prevê que os documentos constitutivos dos organismos de investimento imobiliário abertos podem estabelecer que, estando em causa unidades de participação detidas por investidores não profissionais, os resgastes das unidades de participação possam ocorrer com um intervalo inferior ao previsto para os estabelecidos quando se trata unidades de participação detidas por investidores profissionais, desde que com um limite mínimo de dois meses entre si (ao invés de mínimo de seis meses, como previsto para os investidores profissionais) e prevê ainda uma antecedência inferior para os pedidos de resgate, neste caso com um limite de dois meses face à data do resgate (ao invés de 6 meses, como previsto para os investidores profissionais).
No que concerne à autorização e constituição de OIC, o Decreto-Lei também veio introduzir algumas alterações ao RGOIC. Assim, estabelece agora o novo artigo 21.º que, caso o pedido de autorização não se encontre instruído com todos os documentos legalmente obrigatórios, a CMVM notifica os requerentes, no prazo de 15 dias a contar da data de receção do pedido, para suprirem as insuficiências detetadas. Os requerentes dispõem, pois, de dez dias a contar da notificação para remeterem à CMVM os elementos solicitados, sob pena de o pedido ser liminarmente rejeitado caso não o façam. A decisão da CMVM é agora notificada aos requerentes no prazo de 40 dias no caso de OIC sob forma societário autogeridos, mantendo-se o prazo de 20 dias para os restantes. No decurso do prazo de tomada de decisão a CMVM pode solicitar quaisquer esclarecimentos que considere necessários, sem que tal implique que haja suspensão da contagem dos prazos.
No que diz respeito ao regime das operações vedadas, plasmado no artigo 147.º, agora a entidade responsável pela gestão pode, por conta dos OIC que gere, adquirir ou alienar instrumentos financeiros sem ter que obter prévia autorização da CMVM, ou seja, substituiu-se o regime de autorização prévia da CMVM por um regime de mera comunicação.
O regime de passaporte sofreu inúmeras alterações, sobretudo no que concerne ao facto de as atividades na sua grande maioria deixarem de ter que se dirigir exclusivamente a investidores profissionais, conforme exemplos infra.
Ora, as sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário e as sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliários podem exercer noutro Estado-Membro as atividades relativas a organismos de investimento alternativo abrangidas pela respetiva autorização, mediante o estabelecimento de uma sucursal, ou ao abrigo da liberdade de prestação de serviços, desde que cumpridos os requisitos de notificação previstos no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro. Na redação anterior, esta atividade era exclusivamente dirigida a investidores profissionais2, podendo agora ser também dirigida a investidores não profissionais.

O mesmo sucede com as entidades gestoras de países terceiros autorizadas em Portugal, que podem agora gerir organismos de investimento alternativo estabelecidos noutro Estado Membro, independentemente de se dirigirem a investidores profissionais ou a investidores não profissionais.
No mesmo sentido, as entidades gestoras da União Europeia e as entidades gestoras de país terceiro autorizadas noutros Estados-Membros, mediante receção da respetiva comunicação, podem exercer em Portugal as atividades relativas a organismos de investimento alternativo abrangidas pela respetiva autorização, independentemente de serem dirigidas exclusivamente a investidores profissionais.
Sem sermos exaustivos nesta análise, as sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário e as sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário, bem como as entidades gestoras da União Europeia, podem gerir organismos de investimento alternativo de países terceiros, que não sejam comercializados em Portugal ou noutro Estado-Membro, independentemente de se dirigirem a investidores profissionais ou a investidores não profissionais.
No âmbito do regime não harmonizado de comercialização de organismos de investimento alternativo foi aditado o artigo 237.º-A, relativo ao regime da comercialização em Portugal de organismos de investimento alternativo junto de investidores não profissionais, que se encontra sujeita a autorização prévia da CMVM e cuja autorização só será concedida caso o organismo de investimento alternativo e o modo previsto para a comercialização das respetivas unidades de participação confiram aos participantes condições de segurança e proteção similares às dos organismos de investimento alternativo autorizados em Portugal e caso exista reciprocidade para a comercialização de organismos de investimento alternativo autorizados em Portugal.
No que respeita ao regime dos depositários, o Decreto-Lei veio diminuir o valor dos fundos próprios que as instituições de crédito têm que dispor para serem depositárias. Ora, no antigo regime era exigido que as instituições de crédito elegíveis ao abrigo do RGICSF dispusessem de fundos próprios não inferior a € 7.500.000,00. Este valor foi, agora, diminuído para € 5.000.000,00.
Ainda no regime do depositário, é um dever do mesmo informar imediatamente a CMVM de incumprimentos detetados que possam prejudicar os participantes, dever este que, no regime anterior, era exigido apenas anualmente.
Relativamente ao regime de reutilização de ativos sob guarda, previsto no artigo 121.º-A, o Decreto-Lei estabelece que a reutilização de ativos pelos depositários de organismos de investimento alternativo exclusivamente dirigidos a investidores profissionais ou de subscrição particular fica apenas sujeita ao consentimento prévio da entidade responsável pela gestão e à previsão nos documentos constitutivos e no contrato entre as partes.
No que respeita à comercialização em Portugal de OIC em valores mobiliários da União Europeia, em complemento aos deveres de divulgação previstos no artigo 163.º3, o prospeto e o documento com as informações fundamentais destinadas aos investidores são divulgados no sítio na Internet da entidade comercializadora caso seja diferente da entidade que assegura a gestão do OIC de valores mobiliários e, os relatórios e contas são divulgados no sítio da Internet da entidade que assegura a gestão do OIC de valores mobiliários e da entidade comercializadora, caso seja diferente. Do mesmo modo de divulgação dos relatórios e contas, deve ser divulgado o valor das unidades de participação dos OIC de valores mobiliários.
O novo RGOIC demonstra uma preocupação ao nível da organização interna das entidades gestoras, tendo sido aditados uma série de artigos relativos, quer à avaliação e gestão de riscos, quer à minimização de conflitos de interesse.

III. Alterações ao RJCRESIE
As alterações ao RJCRESIE são menores mas, contudo, há que sublinhar as mais relevantes.
Desde logo, salienta-se a eliminação do limite temporal do investimento em capital de risco. Isto é, a definição anterior de investimento em capital de risco fazia referência à obrigatoriedade de este investimento ter que ser por um período de tempo limitado. Embora esta obrigação tenha desaparecido, a verdade é que o legislador manteve como uma operação proibida às sociedades de capital de risco, aos investidores em capital de risco e aos fundos de capital de risco o investimento em capital de risco, por período de tempo, seguido ou interpolado, superior a 10 anos. Desta forma, o legislador continua a limitar temporalmente o investimento em capital de risco, o que não se coaduna com a eliminação do limite temporal na definição de investimento em capital de risco. De qualquer das formas, o legislador suprimiu a referência ao investimento por período de tempo limitado à definição de investimento em empreendedorismo social e de investimento alternativo especializado.
Verifica-se uma crescente preocupação com os requisitos de idoneidade, qualificação e experiência profissional e disponibilidade do sócio único do investidor em capital de risco, dos membros dos órgãos sociais e dos titulares de participações qualificadas de sociedades de capital de risco, com vista a garantir a sua gestão sã e prudente. Os critérios de apreciação destes requisitos passam a ser aferidos do RGICSF, critérios esses bem mais rigorosos do que aqueles que constam do anterior RJCRESIE.
Em conformidade com o regime europeu, destaca-se ainda a ampliação do âmbito dos investimentos de empreendedorismo social a outras entidades além de sociedades, abrangendo desta forma associações e fundações.
Por fim, veio o novo RJCRESIE passar a regular o exercício da atividade de investimento através de fundos de investimento de longo prazo da União Europeia com a designação “ELTIF” (European long- term investment funds), autorizados nos termos do Regulamento (EU) 2015/760, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril. Tais fundos sob forma societária autogeridos são autorizados pela CMVM nos termos do regime previsto no Regulamento europeu e do regime previsto para as sociedades de investimento em capital de risco, sendo ainda aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras de organização e de funcionamento previstas para essas sociedades.

IV. Alterações ao Decreto-Lei n.º 77/2017, de 30 de junho

Por fim, foram apenas alterados dois artigos do Decreto-Lei n.º 77/2017, sendo que é de destacar a alteração efetuada ao artigo 5.º. Dispõe-se agora que o investimento em ações e outras partes sociais representativas do capital de empresas elegíveis deve representar, a todo o tempo, um mínimo de 50 % dos ativos da SIMFE (Sociedades de Investimento Mobiliário para Fomento da Economia) e que, durante o primeiro ano de seleção de ativos de empresas elegíveis e até que seja atingida 50% dos ativos da SIMFE, o montante em falta para completar essa percentagem deve estar aplicado em ativos referidos no artigo 172.º do RGOIC.

V. Disposições finais
Trata-se de um Decreto-Lei com dimensão e impacto inéditos e, para além destas alterações à legislação nacional, deveremos assistir em breve a uma grande proliferação de instrumentos normativos por parte dos reguladores, CMVM e Banco de Portugal que deverão igualmente regulamentar algumas destas matérias, também elas em conexão com a
Lei 35/2018, publicada a 20 de julho, que procedeu à transposição da DMIF.

____________________________
1 As condições a verificarem-se cumulativamente são as seguintes:
(i) tal qualidade conste do regulamento de gestão do organismo de investimento coletivo, identificando os intermediários financeiros registadores junto dos quais serão abertas contas individualizadas;
(ii) as unidades de participação não estejam admitidas à negociação em mercado regulamento, em sistema de negociação multilateral ou organizado;
(iii) cumpram o disposto nas alíneas d) e e) do n.º 3 do artigo 22.º e no artigo 24.º do Regulamento Delegado (EU) 2017/565, da Comissão, de 25 de abril de 2016.
2 À letra da redação anterior investidores qualificados.
3 Mantém-se a mesma redação do artigo 163.º.