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Lei n.º 62/2018, de 22 de agosto – Alteração das regras de exploração dos estabelecimentos de alojamento local

Maria Cabral de Azevedo
Pós-Graduada em Fiscalidade, Universidade Católica Portuguesa
Advogada, Abreu Advogados

Iara Santos Batista
Advogada Estagiária, Abreu Advogados


1. A discussão pública sobre as alterações que o regime jurídico do alojamento local deveria, ou não, sofrer não é recente. Com o aumento do fluxo de turistas dos últimos anos, particularmente nas cidades de Lisboa e Porto, a existência de estabelecimentos de alojamento local (AL, também no plural) tem suscitado grande discussão, particularmente nos casos em que tais estabelecimentos coexistem com habitações (neste contexto, correspondendo a habitações ocupadas com caráter de permanência).
Recorde-se a discussão pública do ano passado em torno das decisões judiciais divergentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação do Porto sobre a possibilidade de existirem frações autónomas a serem usadas como AL num prédio cujas frações autónomas eram usadas para habitação - o Supremo Tribunal de Justiça admitiu a coexistência no mesmo prédio de AL e habitações, enquanto o Tribunal da Relação do Porto não o admitiu.
É então neste contexto que foi publicada a Lei n.º 62/2018, de 22 de agosto, que procedeu à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, que aprovou o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local (já anteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23 de abril). As medidas agora aprovadas entrarão em vigor em 21 de outubro de 2018.
Sem prejuízo das várias novidades trazidas por este diploma, as expetativas estavam focadas em dois aspetos essenciais: a eventual imposição de limites ao número de AL nas cidades e a conciliação entre os direitos dos proprietários a explorarem os seus imóveis com os direitos dos moradores, quando estejam em causa prédios sujeitos ao regime da propriedade horizontal - sublinhe-se que estes serão a esmagadora maioria dos casos de AL nas cidades de Lisboa e Porto.

2. Tendo como objetivo preservar a realidade social e identidade dos bairros e lugares das cidades, assim como para evitar que deixem de existir imóveis para habitação permanente, as câmaras municipais poderão aprovar, por regulamento e com deliberação fundamentada, a existência de “áreas de contenção”, por freguesia, no todo ou em parte, para instalação de novo AL, podendo impor limites relativos ao número de AL, os quais poderão ter em conta limites percentuais em proporção dos imóveis disponíveis para habitação. A instalação de novos AL nestas áreas carecerá, pois, de autorização expressa da câmara municipal competente, que, em caso de deferimento, promoverá o registo.
Por outro lado, acresce que o mesmo proprietário apenas poder explorar um máximo de sete AL em áreas de contenção. A este propósito, cumpre ressalvar que os registos de AL em vigor junto do Registo Nacional de Alojamento Local realizados até 21 de outubro de 2018 se manterão válidos. No entanto, e quanto aos proprietários que excedam sete AL em áreas de contenção aquando da entrada em vigor da Lei, não lhes será permitido afetar mais imóveis à exploração em regime de AL. Neste contexto, cumpre esclarecer que aos proprietários que não tenham AL localizados em áreas de contenção a lei não impõe limite ao número de AL que estes poderão explorar.
As áreas de contenção deverão ser reavaliadas, no mínimo, de dois em dois anos e comunicadas as respetivas conclusões ao «Turismo de Portugal, I.P.». Para este efeito, o Governo, em colaboração com as autarquias locais, apresentará à Assembleia da República um relatório anual de avaliação do impacto do AL.
Para evitar o aumento dos AL, e até à entrada em vigor do regulamento municipal referente às áreas de contenção, será possível aos municípios, por deliberação fundamentada da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, suspender pelo prazo máximo de um ano, a autorização de novos registos de AL em áreas especificamente delimitadas.
No atual contexto, em que na cidade de Lisboa foram registados mais de 800 AL desde a aprovação desta Lei – o que representa um registo diário de novos AL acima do dobro da média diária registada este ano até à aprovação da Lei – e na cidade do Porto foram registados mais de 300 novos AL desde a mesma data, e considerando que os registos de AL realizados até 21 de outubro de 2018 se manterão válidos, é forçoso indagar como irão reagir as câmaras municipais após esta data.

3. No que respeita, por outro lado, às questões de ruído e perturbação dos vizinhos nos prédios que estão sujeitos ao regime de propriedade horizontal e nos quais estão instalados AL, a nova lei trouxe algumas inovações, sendo agora dada aos condomínios a possibilidade de se oporem à atividade do AL nestes prédios.
Para tal, o condomínio poderá decidir, fundamentadamente e por mais de metade da permilagem do edifício, requerer ao presidente da câmara municipal competente o cancelamento da atividade do AL, mas desde que haja uma prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de atos que causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos. Caso o presidente da câmara municipal competente decida favoravelmente ao cancelamento da atividade do AL, a cessação da exploração implicará que a fração autónoma em causa deixe de ser explorada como AL, por qualquer entidade exploradora, por um período não superior a um ano. Isto é, poderão os condomínios, nos casos de perturbação reiterada e comprovada, requerer o cancelamento do AL. Para tal, terão de ser cumpridos alguns passos, como seja a apresentação de queixas junto da polícia dos distúrbios que ocorram no AL e a recolha de indícios que evidenciem o incómodo e perturbação do descanso dos condóminos.

4. Sendo estas as alterações que vão de encontro às questões que têm sido objeto de maior discussão, há no entanto outras alterações muito significativas ao nível do alojamento local e para as quais não podemos deixar de chamar a atenção.
As definições de “estabelecimentos de alojamento local” e de “estabelecimento de hospedagem” foram alteradas e foi incluída a definição legal de “hostel”.
No primeiro caso, apenas para esclarecer que no AL podem ser prestados serviços de alojamento temporário nomeadamente a turistas - na redação original, a definição legal de AL limitava a prestação dos serviços de AL a turistas.
Quanto ao “estabelecimento de hospedagem” é definido como um estabelecimento de alojamento local cujas unidades de alojamento são constituídas por quartos, integrados numa fração autónoma de edifício, num prédio urbano ou numa parte de prédio urbano suscetível de utilização independente.
A categoria de AL passou agora a contemplar uma nova modalidade designada por “quartos”, e que se consubstancia na exploração de alojamento local feita na residência do locador, que corresponda ao seu domicílio fiscal, sendo a unidade de alojamento apenas o quarto e só sendo possível, nesta modalidade, ter um máximo de três unidades afetas à exploração. Anteriormente, a modalidade de quartos estava incluída na categoria de estabelecimentos de hospedagem.
No que se refere ao “hostel”, o mesmo é definido como o estabelecimento cuja unidade de alojamento predominante seja o dormitório, considerando-se predominante sempre que o número de utentes em dormitório seja superior ao número de utentes em quarto.
O regime legal a que os hostels estavam sujeitos, e que havia sido criado aquando da alteração à lei de 2015, foi agora revogado e passa a ser obrigatória a junção de ata da assembleia do condomínio a autorizar a instalação de hostels, quando se trate de uma instalação em prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal.

5. Foram também alteradas algumas formalidades relativamente ao registo dos AL.
Agora, este registo já não é efetuado mediante uma mera comunicação prévia, mas por uma comunicação prévia com um prazo certo, à qual o presidente da câmara municipal competente se poderá opor, no prazo de 10 dias, ou de 20 dias no caso de hostels, após submissão do registo, com fundamento em:

  1. Incorreta instrução da comunicação prévia;

  2. Vigência do prazo de cancelamento do registo pelo presidente da câmara municipal competente;

  3. Violação das restrições impostas pela existência de áreas de contenção ou falta de autorização adequada do edifício.

A oposição do presidente da câmara municipal competente obsta à atribuição de número de registo, o qual constitui o único título válido de abertura ao público do AL e sua publicitação.
Quaisquer alterações/atualizações/comunicação de cancelamento do AL terão de ser comunicadas no prazo de 10 dias. Sublinhe-se que, de acordo com a antiga lei, o prazo de comunicação da cessão da exploração do AL era de 60 dias.
A regulamentação das condições para o funcionamento e identificação de cada uma das modalidades de AL será feita por Portaria.
Relativamente ao título de abertura ao público dos AL, a nova lei consagra a intransmissibilidade do número de registo do AL, nas modalidades de moradia e apartamento, quando localizado em área de contenção.
Por outro lado, os títulos de abertura ao público dos AL caducam, exceto na hipótese de sucessão, em casos de:

  1. Transmissão da titularidade do registo, cessação de exploração, arrendamento ou outra forma de alteração da titularidade da exploração;

  2. Transmissão do capital social da pessoa coletiva titular do registo, acumulada ou não, em percentagem superior a 50%.

O presidente da câmara municipal territorialmente competente poderá determinar o cancelamento do registo do AL nas seguintes condições:

  1. Quando exista qualquer desconformidade em relação a informação ou documento constante do registo;

  2. No caso de instalação de novo AL em violação dos limites impostos em áreas de contenção;

  3. Por violação dos requisitos estabelecidos na lei para os AL, como sejam a capacidade, segurança, seguro de responsabilidade civil, identificação do titular da exploração do AL, identificação e publicidade do AL como tal, e demais requisitos gerais;

  4. Quando tal lhe tenha sido requerido pelo condomínio do prédio onde esteja instalado um AL, conforme acima melhor exposto.


6. De sublinhar que os AL são agora também obrigados a ter um livro de informações sobre o funcionamento do estabelecimento e regras de utilização internas, que inclua as regras sobre a recolha e seleção de resíduos urbanos, funcionamento dos eletrodomésticos, ruído e cuidados a ter para evitar perturbações que causem incómodo e afetem a tranquilidade e o descanso dos vizinhos, assim como o contato telefónico do responsável pela exploração do AL, contato este que deve também ser disponibilizado ao condomínio, se aplicável.
Este livro de informações deve ser disponibilizado em português, inglês e, pelo menos, em mais duas línguas estrangeiras, e, caso o AL se encontre inserido em prédio constituído em propriedade horizontal com frações usadas para habitação permanente, deve conter também o regulamento com as práticas e regras do condomínio que sejam relevantes para o AL e para a utilização das partes comuns.
No que concerne à identificação e publicidade de estabelecimentos de alojamento local, a alteração vem apenas estabelecer que os “estabelecimentos de hospedagem” e os “quartos” podem usar comercialmente a designação de “Bed & breakfast” ou de “Guest house”.
Quanto às placas identificativas dos alojamentos para os hostels, é obrigatória a afixação, no exterior do edifício, junto à entrada principal, da placa identificativa, enquanto nas restantes modalidades é apenas obrigatória a afixação à entrada do AL.
Relativamente ao período de funcionamento, vem estabelecer-se, adicionalmente ao que já estava previsto, que o acesso e permanência no AL é reservado a hóspedes e respetivos convidados, mas que a entidade exploradora pode recusar o acesso a quem perturbe o seu normal funcionamento e ou desrespeite a ordem pública, não cumprindo regras aplicáveis de urbanidade, funcionamento e ruído, normas essas que devem ser devidamente publicitadas pela entidade exploradora.

7. Em matéria de fiscalização, e para além da ASAE, também a câmara municipal territorialmente competente pode fiscalizar o cumprimento das regras aplicáveis ao alojamento local, bem como instruir os respetivos processos e aplicar as respetivas coimas e/ou sanções acessórias.
No que diz respeito às contraordenações devidas pela violação das regras relativas ao alojamento local, são acrescentadas duas ao elenco já existente:

  1. Violação do normativo que impõe que a instalação e exploração de hostels em edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal em que coexista habitação permanente tenha de ser previamente autorizada pelos condóminos;

  2. Violação dos requisitos de capacidade máxima nos AL.

São também definidas novas coimas para punição daquelas contraordenações.

8. Por fim, há que referir que os foram aditadas obrigações e responsabilidades sobre os proprietários e exploradores dos AL.
Em primeiro lugar, passa a existir uma responsabilidade solidária do titular da exploração do AL e dos hóspedes relativamente aos danos que estes venham a provocar no edifício em que se encontra a unidade, bem como a obrigação para o titular da exploração de manter um seguro multirrisco de responsabilidade civil (cuja falta é fundamento de cancelamento do registo), que deverá cobrir riscos de incêndio e danos patrimoniais e não patrimoniais causados a hóspedes e a terceiros decorrentes da prestação de serviços de alojamento.
Em segundo lugar, os condomínios poderão fixar aos proprietários de AL o pagamento de uma contribuição adicional correspondente às despesas decorrentes da utilização acrescida das partes comuns, a qual estará porém limitada a 30% do valor anual da quota respetiva.

9. Os AL já existentes à data da entrada em vigor desta Lei dispõem do prazo de dois anos, ou seja, até 21 de outubro de 2020, para se conformarem com os restantes requisitos previstos na Lei, nomeadamente os respeitantes a segurança, seguro, placa identificativa e contribuição para o condomínio.