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Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto de 2017; Portaria n.º 233/2018, de 21 de agosto – Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo

César Bessa Monteiro Jr.
Pós-Graduado em Gestão e Direito Empresarial, Universidade Nova de Lisboa
Sócio Contratado, Abreu Advogados

Bernardo Teixeira de Abreu
Mestre em Direito (Forense), Universidade Católica Portuguesa; Pós-Graduado em Corporate Finance, Universidade de Lisboa
Advogado, Abreu Advogados

Tomás Jonet
Pós-Graduado em Direito das Sociedades Comerciais, Universidade Católica Portuguesa
Advogado, Abreu Advogados


1. No dia 21 de Agosto de 2017, foi publicada a Lei n.º 89/2017, que aprovou o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), transpondo para o ordenamento português o capítulo III da Diretiva (UE) 2015/849, do Parlamento e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, e procedendo ainda a alterações em outros diplomas legais. A Lei n.º 89/2017 entrou em vigor no dia 19 de Novembro de 2017 e previa que a regulamentação necessária à sua implementação seria publicada no prazo de 90 dias, a contar do dia seguinte ao da publicação da presente lei.
Passado exatamente um ano da publicação da Lei n.º 89/2017, a Portaria n.º 233/2018, de 21 de Agosto, veio finalmente regulamentar o Regime Jurídico do RCBE, entrando em vigor no dia 1 de outubro de 2018. Contudo, esta regulamentação ainda não é completa, uma vez que os modelos de formulário para o cumprimento das obrigações subjacentes ao Regime Jurídico do RCBE ainda não foram publicados e serão disponibilizados no sítio na Internet da área da justiça. A regulamentação dispõe também que nesses modelos de formulário se encontrarão incluídas as circunstâncias indiciadoras da qualidade de beneficiário efetivo que devem ser consideradas no preenchimento da obrigação declarativa.

2. Para além da criação do RCBE, a Lei prevê que as sociedades comerciais, e as outras entidades sujeitas ao RCBE, devem manter um registo atualizado dos elementos de identificação dos sócios, das pessoas singulares que detém – ainda que de forma indireta ou através de terceiro – a propriedade das participações sociais e de quem detenha o controlo efetivo da sociedade. O incumprimento pela sociedade deste dever constitui contraordenação punível com coima entre € 1.000,00 e € 50.000,00.
Consequentemente, os sócios são obrigados a informar a sociedade de qualquer alteração aos elementos de identificação da mesma, no prazo máximo de 15 dias a contar da data da referida alteração. O incumprimento injustificado deste dever de informação, após notificação por parte da sociedade, permite que esta amortize as participações sociais do sócio em incumprimento.

3. No que respeita ao RCBE, este é constituído por uma base de dados contendo informação sobre as pessoas singulares que, de forma direta, de forma indireta ou também através de terceiro, detêm a propriedade ou o controlo efetivo das entidades sujeitas a este registo, de modo a organizar e manter atualizada a informação.
O «Instituto de Registos e Notariado, I.P.» (IRN) será a entidade responsável pelo tratamento da base de dados e do RCBE, cabendo a esta assegurar o direito de informação e de acesso aos dados pelos respetivos titulares, estando ainda esta Entidade e todos os responsáveis pelo tratamento de dados pessoais obrigados a sigilo profissional, mesmo após o termos das suas funções.

4. Estão sujeitas ao RCBE as seguintes entidades:
(i) as associações, cooperativas, fundações, sociedades civis e comerciais, bem como quaisquer outros entes coletivos personalizados, sujeitos ao direito português ou ao direito estrangeiro, que exerçam atividade ou pratiquem atos ou negócios jurídicos em território nacional que determinem a obtenção de um número de identificação fiscal (NIF) em Portugal;
(ii) as representações de pessoas coletivas internacionais ou de direito estrangeiro que exerçam atividade em Portugal;
(iii) outras entidades que, prosseguindo objetivos próprios e atividades diferenciadas das dos seus associados, não sejam dotadas de personalidade jurídica;
(iv) os instrumentos de gestão fiduciária registados na Zona Franca da Madeira (trusts); e
(v) as sucursais financeiras exteriores registadas na Zona Franca da Madeira.
Em determinadas circunstâncias, estão ainda sujeitos ao RCBE os fundos fiduciários e os outros centros de interesses coletivos sem personalidade coletiva com uma estrutura ou funções similares.
Estão excluídos do âmbito de aplicação do RCBE, entre outras, as sociedades com ações admitidas à negociação em mercado regulamentado, sujeitas a requisitos de divulgação de informações consentâneos com o direito da União Europeia ou sujeitas a normas internacionais equivalentes, que garantam suficiente transparência das informações relativas à titularidade das ações, os consórcios e os agrupamentos complementares de empresas, e os condomínios, quanto a edifícios ou a conjuntos de edifícios que se encontrem constituídos em propriedade horizontal, desde que se verifiquem alguns requisitos.

5. O cumprimento das obrigações subjacentes ao Regime Jurídico do RCBE efetua-se através da apresentação de um formulário disponível no sítio da Internet da área da justiça, preenchido junto do IRN, o qual é obrigatório para as entidades abrangidas por este novo regime. A informação constante do formulário deve ser suficiente, exata e atual, de modo a determinar quem são os beneficiários efetivos, todas as circunstâncias indiciadoras dessa qualidade e ainda a informação sobre o interesse económico dos mesmos, podendo esta informação, sempre que possível, ser validada com recurso às bases de dados da Administração Pública.
Para poderem proceder a tal apresentação, as entidades sujeitas ao Regime Jurídico do RCBE deverão autenticar-se online, na pessoa do seu representante. Por sua vez, as entidades financeiras e não financeiras obrigadas nos termos da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto devem registar-se através das autoridades setoriais competentes (Banco de Portugal, CMVM, ASF, entre outras), podendo aceder ao registo através dos serviços de autenticação seguros.
Uma vez submetida e validada, cada declaração de beneficiário efetivo dá origem à emissão de um comprovativo, contendo a identificação do declarante e a informação do RCBE. Este comprovativo pode ser consultado através de um código de acesso gerado para o efeito, não sendo emitido qualquer comprovativo em papel.
Deverá ser apresentado o comprovativo do registo e das respetivas atualizações do beneficiário efetivo em todas as circunstâncias em que a lei obrigue à comprovação da situação tributária regularizada, sem prejuízo das demais disposições legais que o determinem, sendo tal comprovação efetuada através de consulta eletrónica ao RCBE.
O acesso ao RCBE será efetuado online, através do NIPC ou NIF da entidade a que respeita. A Portaria prevê que, mediante a autenticação do interessado com meios de autenticação segura e de acordo com os requisitos exigidos pelo sistema informático de suporte ao RCBE, parte da informação nele constante seja disponibilizada publicamente, nomeadamente a informação relativa à entidade e aos beneficiários efetivos. Podem ser extraídas do sítio da Internet certidões e informações da informação disponibilizada publicamente.
O acesso a esta informação poderá ser total ou parcialmente limitado sempre que se verifique que a sua divulgação possa expor o beneficiário efetivo a um risco de fraude, rapto, extorsão, violência ou intimidação, ou quando este seja menor ou incapaz. Esta avaliação cabe ao presidente do conselho diretivo do IRN, que poderá delegar esta competência.
Sem prejuízo da disponibilização do acesso mediante autenticação, as entidades obrigadas podem aceder ao RCBE por via eletrónica por intermédio das respetivas autoridades setoriais, desde que celebrem um protocolo com o IRN, cumprindo os diversos requisitos previstos.
As autoridades judiciárias policiais e setoriais, bem como a AT, acedem a toda a informação constante no RCBE em tempo real, através da consulta automatizada da sua base de dados, mediante protocolo a celebrar com o IRN, o qual deverá ser submetido a controlo prévio da Comissão Nacional de Proteção de Dados. As autoridades referidas comunicam ao IRN a identificação de todos os utilizadores com acesso à base de dados, os quais ficam obrigados ao dever de sigilo.
A situação de uma entidade no RCBE é certificada através da emissão do comprovativo de declaração, que equivale a uma certidão da mesma. Podem também ser emitidas informações sobre quaisquer outras circunstâncias constantes do RCBE, sendo competentes para a emissão dos comprovativos ou informações os serviços de registo designados por deliberação do conselho diretivo do IRN.

6. Após 1 de Outubro de 2018, e desde que os formulários necessários ao cumprimento das obrigações subjacentes ao Regime Jurídico do RCBE já tenham sido disponibilizados no sítio na Internet da área da justiça, a primeira declaração do beneficiário efetivo deve ser efetuada com o registo de constituição da sociedade, ou com a primeira inscrição da Entidade no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas.
Relativamente às entidades sujeitas ao RCBE que já se encontrem constituídas no dia 1 de Outubro de 2018, a declaração inicial do beneficiário efetivo deve ser efetuada entre 1 de janeiro de 2019 e 30 de abril de 2019, relativamente às entidades sujeitas a registo comercial, e entre 1 de janeiro de 2019 e 30 de junho de 2019, quanto às demais entidades sujeitas ao RCBE. Essa informação será complementada com a informação constante do Ficheiro Central de Pessoas Coletivas, na AT e outras entidades obrigadas, a qual é necessariamente comunicada aos RCBE.
No que respeita os instrumentos de gestão fiduciária registados na Zona Franca da Madeira, outros fundos fiduciários sujeitos ao RCBE ou os demais centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica com estrutura ou funções similares aos referidos fundos fiduciários, a declaração deve também incidir sobre o fundador ou instituidor, os administradores fiduciários e seus representantes legais, o curador, os beneficiários e quaisquer outras pessoas singulares que exerçam o controlo efetivo.
Têm legitimidade para efetuar a declaração do beneficiário efetivo, os membros dos órgãos de administração das sociedades ou as pessoas que desempenham funções equivalentes noutras pessoas coletivas, as pessoas singulares que atuem na qualidade de administrador fiduciário ou administrador de direito ou de facto das entidades em causa, podendo ainda a declaração ser realizada por advogados, notários, solicitadores ou contabilistas certificados.

7. Na declaração do beneficiário efetivo são recolhidos:
a) Quanto à entidade ou titulares de participações sociais que sejam pessoas coletivas – (i) o número de identificação de pessoa coletiva (NIPC) atribuído em Portugal pela autoridade competente e, tratando-se de entidade não residente, o NIF ou número equivalente emitido pela autoridade competente da jurisdição de residência, caso exista; (ii) a firma ou denominação; (iii) a natureza jurídica; (iv) a sede, incluindo a jurisdição de registo, no caso das entidades estrangeiras; (v) o código de atividade económica (CAE); (vi) o Legal Entity Identifier, um identificador único, alfanumérico, que permite identificar internacionalmente entidades que sejam contrapartes em transações financeiras, quando aplicável; e (vii) o endereço eletrónico institucional;
b) Relativamente ao beneficiário efetivo e às pessoas singulares referidas no ponto anterior – (i) o nome completo; (ii) a data de nascimento; (iii) a naturalidade; (iv) a nacionalidade; (v) a morada completa de residência permanente, incluindo o país; (vi) os dados do documento de identificação; (vii) o NIF, quando aplicável, e, tratando-se de cidadão estrangeiro, o NIF emitido pelas autoridades competentes do Estado, ou dos Estados, da sua nacionalidade, ou número equivalente; (viii) o endereço eletrónico de contacto, quando exista;
c) No que concerne ao declarante - (i) o nome; (ii) a morada completa de residência permanente ou do domicílio profissional, incluindo o país; (iii) os dados do documento de identificação ou da cédula profissional; (iv) o NIF, quando aplicável; (v) a qualidade em que atua; (vi) o endereço eletrónico de contacto, quando exista.
As informações sobre as circunstâncias indiciadoras da qualidade de beneficiário efetivo devem incluir a respetiva fonte, mediante a indicação da base de dados da Administração Pública, designadamente a do registo comercial ou, quando tal não seja possível, por junção de documento bastante.
Sempre que a pessoa indicada como beneficiário efetivo seja não residente em Portugal, deve adicionalmente ser identificado o seu representante fiscal, caso exista, bem como o nome, morada completa e NIF.
Sempre que houver alterações à informação constante do RCBE, esta deve ser atualizada no mais curto prazo possível, sem nunca exceder os 30 dias contados a partir da data do facto que determine a alteração.
Em caso de extinção, dissolução ou cessação de uma entidade, devem ser declaradas nesse momento todas as alterações ocorridas quanto aos respetivos beneficiários efetivos.
Todos os anos, deve ser feita uma confirmação da informação sobre o beneficiário efetivo, a qual é realizada através de uma declaração anual a ser entregue até dia 15 de Julho de cada ano, o que no caso das entidades obrigadas à entrega da Informação Empresarial Simplificada (IES) é realizada em conjunto com a IES.

8. A Portaria n.º 233/2018 alterou também o Regulamento do Registo Comercial, passando o mesmo a incluir uma disposição relativa à inclusão na matrícula das entidades sujeitas a registo a informação de que a sociedade não cumpriu a obrigação de declaração do beneficiário efetivo, informação essa que deverá ser comunicada pelo RCBE.
No prazo de 30 dias após a data de entrada em vigor da Portaria 233/2018, de 21 de Agosto, as entidades financeiras e não financeiras obrigadas nos termos da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto comunicam às respetivas entidades setoriais a identificação do seu administrador fiduciário, do responsável legal pela respetiva gestão, das entidades com as quais estabeleçam relações de negócio ou realizem transações ocasionais. As entidades setoriais elaboram e remetem até 60 dias após o termo do prazo anterior as listagens com a informação relevante para o cumprimento da obrigação de identificação prevista acima.
Adicionalmente, e também no prazo de 30 dias após a entrada em vigor da Portaria n.º 233/2018, a AT deverá comunicar ao RCBE a identificação das entidades enquadráveis no disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Regime Jurídico do RCBE1.

9. No que concerne às sanções aplicáveis a este regime, em caso de incumprimento das obrigações declarativas e de retificação do RCBE, são aplicáveis às respetivas entidades diversas sanções, entre as quais se destacam as proibições de (i) distribuir lucros do exercício ou fazer adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício, (ii) celebrar contratos de fornecimento, empreitadas de obras públicas ou aquisição de obras públicas ou aquisição de serviços e bens com o Estado ou quaisquer outras entidades públicas, (iii) concorrer à concessão de serviços públicos, (iv) admitir à negociação em mercado regulamentado instrumentos financeiros representativos do seu capital social, (v) lançar ofertas públicas de distribuição de quaisquer instrumentos financeiros por si emitidos, (vi) beneficiar dos apoios de fundos europeus estruturais e de investimento e públicos, ou (vii) intervir como parte em qualquer negócio que tenha por objeto a transmissão da propriedade ou a constituição, aquisição ou alienação de quaisquer outros direitos reais de gozo ou de garantia sobre quaisquer bens imóveis.
Quem prestar de falsas declarações para efeitos de registo do beneficiário efetivo incorre em responsabilidade criminal, respondendo também civilmente pelos danos a que der causa.


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1 Dispõe o número 2 do artigo 3.º do Regime Jurídico do RCBE que estão ainda sujeitos ao mesmo os fundos fiduciários e outros centros interesses coletivos sem personalidade jurídica com uma estrutura ou funções similares, sempre que:
  1. O respetivo administrador fiduciário (trustee), o responsável pela gestão ou pessoa ou entidade que ocupe tal posição seja uma entidade obrigada nos termos definidos pela Lei n.º 83/2017 de 18 de Agosto;
  2. Aos mesmos seja atribuído um Número de Identificação Fiscal pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  3. Tenham relações de negócio ou efetuem transações ocasionais, nos termos definidos pela Lei n.º 83/2017 de 18 de Agosto;
  4. O respetivo administrador fiduciário (trustee), o responsável pela gestão ou pessoa ou entidade atuando nessas qualidades, estabeleçam relações de negócio ou realizem transações ocasionais com uma entidade obrigada nos termos definidos pela Lei n.º 83/2017 de 18 de Agosto.