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Lei n.º 12/2019, de 12 de fevereiro – Proibição e punição do assédio do arrendamento (alteração do NRAU)
Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro – Correção de situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforço da segurança e da estabilidade do arrendamento urbano e proteção de arrendatários em situação de especial fragilidade


Maria Cabral de Azevedo, Pós-Graduada em Fiscalidade (Universidade Católica Portuguesa), Advogada Associada, Abreu Advogados

I) Entrou em vigor no passado dia 13 de fevereiro a Lei n.º 12/2019 que veio proibir e punir o assédio no arrendamento.
Definiu-se o assédio como qualquer comportamento ilegítimo do senhorio, de quem o represente ou de terceiro interessado na aquisição ou na comercialização do locado, que, com o objetivo de provocar a desocupação do mesmo, perturbe, constranja ou afete a dignidade do arrendatário, subarrendatário ou das pessoas que com estes residam legitimamente no locado, os sujeite a um ambiente intimidativo, hostil, degradante, perigoso, humilhante, desestabilizador ou ofensivo, ou impeça ou prejudique gravemente o acesso e a fruição do locado.
Sem prejuízo do procedimento criminal ou contraordenacional a que haja lugar, e no que respeita às situações que afetem o gozo e fruição do locado – concretamente, (i) produção de ruído fora dos limites legais ou de outros atos suscetíveis de causar prejuízo à sua saúde e das pessoas que com ele legalmente residam no locado, (ii) correção de deficiências do locado e das partes comuns do respetivo edifício qie constituam risco grava para a saúde ou segurança de pessoas e bens, (iii) correção de outras situações que impeçam a fruição do locado, o acesso ao mesmo ou a serviços essenciais como as ligações às redes de água, eletricidade, gás ou esgotos –, pode o arrendatário intimar o senhorio para tomar as necessárias providências à reparação ou cessação de tais situações.
À intimação do arrendatário terá o senhorio de responder no prazo de 30 dias, demonstrando a adoção das medidas necessárias para a corrigir a situação detetada ou a expor as razões de não adotar qualquer comportamento tendente à correção da situação detetada. Na ausência de resposta do senhorio à intimação do arrendatário, ou caso a situação se mantenha por corrigir, injustificadamente, poderá este último, no prazo de 30 dias após o termo do prazo de resposta do senhorio:

  1. Requerer uma injunção contra o senhorio para correção da situação detetada, podendo exigir do senhorio o pagamento de uma sanção pecuniária de € 20,00 (vinte euros) diários, até que seja decretada a referida injunção;

  2. Exigir do senhorio o pagamento de uma sanção pecuniária de € 20,00 por cada dia após o termo de prazo de resposta, até que o senhorio demonstre ter dado cumprimento à intimação.

O valor da sanção pecuniária será elevado em 50%, isto é, para € 30,00, quando o arrendatário tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau de deficiência igual ou superior a 60%.
A lei não prevê, no entanto, o procedimento a seguir nos casos em que o senhorio justificadamente exponha as razões para não prosseguir com a reparação ou cessação da situação detetada. Será igualmente submetida injunção? Ou a situação deverá manter-se, sem que haja resolução? Naturalmente, a justificação que possa ser apresentada será mais ou menos atendível dependendo da perspetiva em que nos encontremos.
Por outro lado, o arrendatário poderá ainda requerer à Câmara Municipal competente a realização de uma vistoria que ateste as situações que afetem o gozo e fruição do locado, da qual será lavrado auto. A lei não prevê, no entanto, qualquer procedimento a seguir por parte da Câmara após a vistoria realizada. Considerando que o procedimento de vistoria por parte da Câmara terá natureza urgente – a vistoria deve ser realizada em 20 dias e o auto da mesma deve ser emitido em 10 dias –, talvez aqui o legislador pudesse ter ido um pouco mais longe e ter previsto uma continuidade deste procedimento administrativo (e não apenas a emissão do auto de vistoria).


II) A Lei n.º 13/2019 veio alterar de forma significativa uma parcela do regime do arrendamento em Portugal, tornando-o novamente mais protetor dos arrendatários.

1. Sem prejuízo de outras alterações significativas, designadamente no que respeita à realização de obras em prédios arrendados, há duas principais caraterísticas deste novo diploma que se destacam: por um lado, um regresso ao vinculismo no arrendamento e, por outro, uma maior proteção daqueles que estarão, em princípio, numa situação de especial fragilidade, entendendo-se como tal os cidadãos com mais de 65 anos ou com grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60%.
No plano vinculístico, sublinha-se que os contratos de arrendamento habitacionais passam a ter uma duração mínima de 1 (um) ano1. E, salvo se as partes acordarem de forma diferente, ainda que um contrato de arrendamento habitacional seja celebrado pelo prazo de 1 ano, o senhorio não se poderá opor à sua renovação durante, pelo menos, 3 anos. Ou seja, o contrato terá para o senhorio, forçosamente, uma duração mínima de 3 anos, ressalvados os casos em que o senhorio precise da habitação para si próprio ou para os seus descendentes em 1.º grau. Por outro lado, o inquilino poderá opor-se à renovação do contrato ou denunciá-lo nos termos lei. No caso dos arrendamentos para fins não habitacionais, o prazo mínimo para a produção de efeitos da oposição à renovação pelo senhorio, caso não haja estipulação em contrário, é de 5 anos.
De igual modo, caso as partes nada prevejam em contrário, o contrato de arrendamento para fins habitacionais renovar-se-á por um período de 3 anos, se não tiver sido celebrado por prazo superior, caso em que se renovará por esse período. No caso dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, o prazo mínimo de renovação passa a ser de 5 anos.
No que respeita ainda aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, sublinha-se que o senhorio apenas poderá denunciar o contrato para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado ou mediante comunicação a remeter com um pré-aviso de 5 anos. Acresce ainda que a denúncia por parte do senhorio obriga-o a indemnizar tanto o arrendatário como os trabalhadores pelos prejuízos que, comprovadamente, resultem da cessação do contrato.

2. Mantendo o cariz protecionista a favos dos arrendatários, esta lei trouxe novidades no que respeita à forma dos contratos e ao valor da indemnização que o senhorio poderá exigir em caso de mora do arrendatário.
No que respeita à forma do contrato, a falta de redução a escrito deixa de ser cominada com a nulidade, o arrendatário poderá provar a existência do mesmo através da demonstração da utilização do locado sem oposição do senhorio e do pagamento de renda por um período de 6 meses, contanto que tal ausência de forma escrita não seja imputável ao próprio arrendatário.
Em caso de mora do arrendatário no pagamento da renda, a indemnização exigível ao arrendatário corresponderá a 20% do montante em dívida, ao invés dos 50% anteriormente previstos.

3. Sendo o cariz social desta lei uma das suas grandes bandeiras, foram introduzidas alterações muito relevantes à Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o NRAU, entre as quais, sem prejuízo de outras, se destacam as seguintes:
Relativamente aos contratos de arrendamento para fins habitacionais que tenham transitado para o NRAU (portanto, celebrados ao abrigo do RAU), se o arrendatário residir no locado há mais de 15 anos e tiver, à data da transição do contrato, 65 anos ou mais ou grau comprovado de deficiência superior a 60%, o senhorio apenas pode opor-se à renovação do contrato com fundamento em demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado.
Também no caso dos contratos de arrendamento para fins habitacionais de duração limitada celebrados na vigência do RAU, mas cujo arrendatário, à data de entrada em vigor desta lei, resida há mais de 20 anos no locado e tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60 %, o senhorio apenas pode opor-se à renovação do contrato com fundamento em demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado.

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1 Considerando que, nos termos da lei em vigor, o “alojamento local” se carateriza por ter uma duração inferior a 30 (trinta) dias, os contratos de duração entre 1 mês a 1 ano caraterizam-se por serem para habitação não permanente ou por visarem fins transitórios.