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Lei n.º 7/2019 de 16 de Janeiro – Regime jurídico da distribuição de seguros e de resseguros (transposição da Diretiva (EU) 2016/97)

Rodrigo Formigal, MBA em Gestão Empresarial (Universidade Católica Portuguesa), Sócio Contratado, Abreu Advogados
Jorge Morais, Advogado, Abreu Advogados


A Lei nº 7/2019 (Lei da Distribuição de Seguros) foi publicada no Diário da República de 16 de janeiro e (i) aprova o regime jurídico da distribuição de seguros e de resseguros, transpondo a Diretiva (EU) 2016/97 (mais conhecida por Diretiva sobre Distribuição de Seguros), (ii) revoga o Decreto-Lei nº 144/2016, de 31 de julho (regime jurídico da mediação de seguros), (iii) altera a Lei nº 147/2015, de 9 de setembro (regime jurídico do acesso e do exercício da atividade seguradora e resseguradora), (iv) bem como o regime processual aplicável aos crimes especiais do setor segurador e dos fundos de pensões e às contraordenações cujo processamento compete à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (“ASF”).
A Lei da Distribuição de Seguros produz efeitos a partir de 1 de Outubro de 2018, excecionando-se as disposições que habilitam a ASF a emitir normas regulamentares.
Os aspetos mais significativos do novo regime legal, que será ainda objeto dessa regulamentação específica a emitir pela ASF, no âmbito dos poderes atribuídos, são os seguintes:

1. Novas definições de “distribuição de seguros” e de “distribuidores de seguros”
É introduzida a definição do conceito de distribuição de seguros (consagrando um conceito amplo que abrange um vasto conjunto de atividades, desde as relações pré-contratuais à celebração de contratos e à gestão e execução desses mesmos contratos) e das entidades que se qualificam como distribuidores de seguros.
É estabelecido um quadro legislativo uniforme aplicável aos diversos intervenientes, mediadores de seguros, a título acessório ou não, e empresas de seguros, quando exerçam diretamente atividade, no âmbito da distribuição e independentemente do canal utilizado.

2. Alteração das categorias de mediadores de seguros
Os mediadores de seguros passam a ser qualificados nas seguintes categorias: agente de seguros, corretor de seguros e mediador de seguros a título acessório.
Esta alteração não afeta os direitos adquiridos pelos anteriormente denominados “mediadores de seguros ligados”, i.e., que exerciam atividade e estavam registados no âmbito do anterior regime, dado que se opera a sua conversão automática e respetivo registo nas novas categorias, ou seja na categoria de mediador de seguros a título acessório ou na categoria de agentes de seguros, de acordo com a maior ou menor proximidade ou grau de dependência ou de vinculação às empresas de seguros. Este processo de conversão automática, da responsabilidade da ASF, não impede que os visados optem pelo registo noutra categoria, caso entendam que tal é mais adequado ao seu modelo de negócio.

3. Reforço das regras e dos procedimentos
Verifica-se um reforço das regras e procedimentos organizativos e um reforço das regras de qualificação adequada e de avaliação da idoneidade (“fit and proper”) para o exercício de atividade, sem prejuízo de um regime transitório, até 23 de Fevereiro de 2019, em matéria de qualificação adequada, e de presunções do cumprimento dos requisitos definidos na Lei da Distribuição de Seguros.

4. Formação profissional e cursos de seguros
São definidas novas normas de formação profissional e os requisitos e conteúdos mínimos dos cursos de seguros, prevendo-se o cumprimento de requisitos de aperfeiçoamento profissional contínuo.

5. Novas normas de remuneração
São definidas novas normas de remuneração que visam prevenir conflitos de interesse e assegurar que os distribuidores de seguros não são remunerados, nem remuneram ou avaliam o desempenho dos seus empregados de forma que possa colidir com os interesses dos clientes.
Em particular, interdita-se a existência de mecanismos que constituam um incentivo, designadamente através de objetivos de vendas, à recomendação de um determinado produto ao cliente, que excluísse a possibilidade de ser proposto outro tipo de seguro que correspondesse melhor às necessidades desse cliente.

6. Políticas de conceção e aprovação de produtos de seguros
Reforçam-se as obrigações no âmbito das políticas de conceção e aprovação de produtos de seguros que deve incluir a identificação do perfil dos respetivos tomadores de seguros ou segurados, que constituem o mercado alvo, a análise dos riscos relevantes para esses destinatários e a verificação da consistência da estratégia de distribuição com o mercado alvo identificado.

7. Reforço dos deveres de informação pré-contratual
São ainda reforçados os deveres de informação pré-contratual, acentuando-se igualmente o dever especial de o distribuidor de seguros aferir a adequação do produto ao segurado.
Assim, na distribuição de seguros do ramo “Não vida” é obrigatória a prévia disponibilização aos clientes de um Documento de Informação sobre o produto de seguros1.
No que respeita aos produtos de investimento com base em seguros é estabelecido um quadro de maior exigência, atendendo à natureza dos produtos e sem prejuízo do cumprimento das obrigações decorrentes do Regulamento (EU) nº 1286/2014 (Regime Jurídico dos PRIIP’s) e da Lei nº 35/2018 de 20 de Julho.
Para além da obrigatoriedade de prestar ao cliente ou potencial cliente informação prévia sobre os riscos, custos e encargos associados aos produtos de investimento com base em seguros, deverão ainda ser disponibilizados relatórios periódicos sobre o serviço prestado.
Na comercialização destes produtos e de acordo com o tipo de comercialização (venda sem aconselhamento ou venda com aconselhamento), deverão os mediadores cumprir deveres específicos. Assim, na venda sem aconselhamento, deverá ser solicitada ao cliente ou potencial cliente informação sobre os seus conhecimentos e experiência no domínio do investimento relevante para o tipo específico de produto ou serviço oferecido ou solicitado, com o objetivo de verificar se esse produto ou serviço é apropriado. Na venda com aconselhamento o mediador deve assegurar que o produto de investimento com base em seguros aconselhado é o mais adequado às preferências, aos objetivos, ao nível de tolerância ao risco e à capacidade do cliente ou potencial cliente para suportar perdas, incumbindo-lhe, para este efeito, a recolha e análise de informação sobre: a) os seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento relevantes para o tipo específico de produto ou serviço em questão; b) Informações sobre a sua situação financeira, designadamente a capacidade para suportar perdas; e c) objetivos de investimento, designadamente o seu nível de tolerância ao risco.

8. Vendas associadas
Aplicam-se novas regras aos casos de vendas associadas, reforçando-se os deveres de informação. A título de exemplo, se o produto de seguros for acessório de um bem ou serviço que não seja um seguro, como parte de um pacote ou do mesmo acordo, o mediador de seguros deve oferecer ao cliente a possibilidade de comprar o bem ou serviço separadamente. Inversamente, se o produto de seguros for oferecido com um produto ou um serviço acessório que não seja um seguro, o mediador deve informar o cliente se é possível adquirir cada um dos produtos separadamente, devendo, caso seja possível, prestar uma descrição adequada e entregar documentação sobre os custos e os encargos associados a cada um dos produtos.

9. Agravamento do quadro sancionatório
No que respeita às alterações ao regime processual aplicável aos crimes especiais do setor segurador e dos fundos de pensões e às contraordenações cujo processamento compete à ASF, verifica-se o agravamento do quadro sancionatório aplicável, sendo aumentados os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis.

Conclusões
A nova Lei da Distribuição de Seguros altera significativamente o quadro legal da distribuição de seguros e de resseguros, reforçando significativamente o conjunto de regras e os procedimentos aplicáveis transversalmente ao setor, com especial impacto na organização e atividade dos mediadores de seguros. Destaca-se a previsão de inúmeras intervenções regulamentares da ASF (a Lei da Distribuição de Seguros habilita a ASF a emitir normas regulamentares sobre mais de 29 matérias), pelo que se aguardam mais novidades que completem este regime.
Com a transposição da Diretiva sobre Distribuição de Seguros pelos restantes Estados-Membros fica criado um quadro normativo comum dentro do território da União Europeia, pelo que não será de estranhar que, a breve trecho, distribuidores de (re)seguros domiciliados num Estado-Membro que não Portugal venham, ao abrigo da livre prestação de serviços ou via sucursal, exercer esta atividade junto de residentes portugueses em livre concorrência com as empresas e distribuidores nacionais.

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1 Trata-se de um documento normalizado elaborado pelo produtor do respetivo produto de seguro, de acordo com o formato estabelecido pelo Regulamento de Execução (UE) 2017/1469 da Comissão, de 11 de agosto de 2017.