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Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto – Regime Jurídico da Disponibilização e a Utilização das Plataformas Eletrónicas de Contratação Pública, com Transposição de Normas Relativas a Contratação Eletrónica Constantes das Novas Diretivas Comunitárias de Contratação Pública

Ana Gouveia Martins, Doutora em Direito, Consultora, Abreu Advogados

No dia 17 de agosto, foi publicada a Lei n.º 179/2015, que “regula a disponibilização e a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública e transpõe o artigo 29.º da Diretiva 2014/23/UE, o artigo 22.º e o anexo IV da Diretiva 2014/24/UE e o artigo 40.º e o anexo V da Diretiva 2014/25/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014”, revogando o Decreto-Lei n.º 143 -A/2008, de 25 de julho e a Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de julho, tendo entrado em vigor em 16 de outubro de 2015.

No essencial, as principais alterações operadas pela Lei n.º 179/2015 são as seguintes:

  1. O Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P. (IMPIC, IP) passa a ser a entidade licenciadora, de monitorização e fiscalização das plataformas eletrónicas de contratação pública e o Gabinete Nacional de Segurança (GNS) a entidade credenciadora das plataformas eletrónicas e dos respetivos auditores de segurança, suprindo-se a lacuna até agora existente nesta matéria.

  2. Assim, o acesso à atividade de gestão e exploração das plataformas eletrónicas de contratação pública passa a estar dependente da obtenção de uma licença a conceder pelo IMPIC,I.P. pelo prazo de 10 anos, estando o seu deferimento condicionado à verificação de um conjunto de requisitos enunciados na lei.

  3. Enquanto as entidades adjudicantes devem adquirir os serviços de plataformas eletrónicas de acordo com os procedimentos previstos no Código dos Contratos Públicos, confere-se aos operadores económicos liberdade de escolha da plataforma eletrónica que pretendam utilizar de entre as plataformas eletrónicas licenciadas, liberdade que é assegurada pelo estabelecimento de requisitos de interoperabilidade, compatibilidade e interligação entre as diversas plataformas eletrónicas que operam ou venham a operar no mercado, quer entre estas e as plataformas da Administração Pública, incluindo, a título exemplificativo, o Portal dos Contratos Públicos, o Diário da República Eletrónico ou a futura plataforma da Autoridade da Concorrência, conforme portaria a aprovar.

  4. No que concerne ao regime de utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública, as empresas gestoras das plataformas são remuneradas pelas entidades adjudicantes pelo serviço de disponibilização da plataforma eletrónica, pelo apoio à respetiva utilização e outros serviços avançados, conforme contrato entre as partes.

  5. Em concretização do principio da gratuitidade do acesso às plataformas de contratação por parte dos operadores económicos, as empresas gestoras das plataformas devem proporcionar a qualquer operador, a título gratuito, um mínimo de três acessos, em simultâneo, aos serviços base da plataforma eletrónica, apenas podendo cobrar aos operadores económicos os serviços de disponibilização de mais do que três acessos aos serviços base ou a prestação de serviços avançados

  6. Assiste-se à concretização do conceito de “serviços base” – que compreendem o acesso a todas as funcionalidades essenciais que permitem o desenvolvimento total e completo dos procedimentos pré-contratuais públicos, designadamente, o acesso às peças do procedimento publicadas, a submissão de pedidos de esclarecimentos ou a apresentação de candidaturas ou propostas, os quais devem ser prestados gratuitamente aos operadores económicos –, distinguindo-os dos “serviços avançados” que, por não serem imprescindíveis para o desenvolvimento daqueles procedimentos, sendo facultativos, podem ser prestados aos operadores económicos mediante contrato e pagamento de um preço.

  7. Verifica-se a sujeição das entidades gestoras das plataformas eletrónicas a um conjunto mais exigente de deveres e os requisitos funcionais, técnicos e de segurança, sendo de destacar:

    1. a obrigação de manutenção de disponibilidade permanente das plataformas, salvo nos casos de avaria ou manutenção, sendo que as operações de manutenção, salvo casos urgentes, devem ser comunicadas aos utilizadores, na página de entrada da plataforma, com 72 horas e apenas podem ser realizadas entre as 0h e as 8h, nos dias úteis, ou aos sábados, domingos e feriados nacionais, a qualquer hora;

    2. a proibição de a discriminação entre operadores através da eventual exigência de produtos, aplicações ou programas incompatíveis com os produtos de uso corrente no mercado ou da fixação de requisitos que sejam de algum modo injustificados ou não proporcionais;

    3. a imposição de utilização de aplicações e programas de fácil instalação e utilização;

    4. o recurso a normas abertas que não envolvam custos específicos de licenciamento pelos utilizadores;

    5. a implementação de sistemas de informação baseados na Norma ISO/IE 20000 e de sistemas segurança baseados na Norma ISO/IEC 27001;

    6. obrigação de a empresa gestora providenciar e garantir a existência na sua estrutura organizativa de cargos e funções necessários à operação dos sistemas, a saber, a) administrador de segurança, com a responsabilidade global de implementar as políticas e práticas de segurança; (b) administrador de sistemas, autorizado a instalar, configurar e manter os sistemas, mas com acesso limitado às configurações e aspetos relacionadas com a segurança; (c) operador de sistemas, responsável por operar diariamente os sistemas, autorizado a realizar cópias de segurança e operações de rotina e (d) auditor de sistemas, autorizado a monitorizar os arquivos de atividade dos sistemas e registo de eventos para auditoria;

    7. Obrigação de as plataformas eletrónicas garantirem o envio de mensagens de correio eletrónico para todos os intervenientes na fase pré-contratual, bem como obterem o respetivo registo de envio, em concretização do dever fundamental de notificação, deixando de ser suficiente a mera afixação de aviso na plataforma eletrónica;

    8. Obrigação de aceitação de quaisquer selos temporais emitidos por uma entidade certificadora credenciada para a prestação de serviços de validação cronológica;

    9. Clarificação das regras que regem a aposição de assinaturas eletrónicas qualificadas nos documentos elaborados ou preenchidos pelas entidade adjudicante e pelos operadores económicos, esclarecendo-se que é necessário que a assinatura eletrónica conste de cada um dos documentos submetidos na plataforma, ainda que estes tenham sido agrupados num ficheiro em formato ZIP, conforme foi decidido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

  8. Uma das principais novidades consiste na previsão de um regime de fiscalização e sancionatório specialmente severo, a cargo do IMPIC, I.P. e do GNS, consoante o âmbito de atuação em causa, corporizado na faculdade de realização de autorias às plataformas eletrónicas, a todo o tempo e sem aviso prévio, e na previsão e qualificação de cerca de 60 condutas, por vezes por mera remissão para conceitos genéricos ou requisitos funcionais e técnicos, como infrações, distinguindo-se entre infrações muito graves, graves e leves, que podem culminar na aplicação de uma coima no valor entre os €2500 e os €100 000 (limites que, em caso de negligência ou tentativa, são reduzidos para metade) e de sanções acessórias, designadamente, a sanção acessória de interdição temporária do exercício da atividade de gestão e exploração das plataformas eletrónicas em caso de infração grave.