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Lei n.º 24/2016, de 22 de Agosto – Regime de reembolso parcial de impostos sobre o gasóleo para as empresas de transporte de mercadorias (aditamento ao Código dos Impostos Especiais de Consumo)

Sara Soares, Mestre em Direito, Advogada, Abreu Advogados
Natacha Reynolds Pombo, Solicitadora, Abreu Advogados


1. Introdução

1.1. A Lei n.º 24/2016, de 22 de Agosto1, criou o regime que institui em Portugal o reembolso parcial de impostos sobre o gasóleo rodoviário às empresas de transporte de mercadorias. Neste contexto, foi aditado ao Código dos Impostos Especiais de Consumo2 o artigo 93.º-A3, com produção de efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2017.

«1 - É parcialmente reembolsável o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos suportado pelas empresas de transporte de mercadorias, com sede ou estabelecimento estável num Estado membro, relativamente ao gasóleo classificado pelos códigos NC 2710 19 41 a 2710 19 49, quando abastecido em veículos devidamente licenciados e destinados exclusivamente àquela atividade.
2 - O reembolso parcial previsto no número anterior aplica -se igualmente às demais imposições calculadas com base na quantidade de produtos petrolíferos introduzidos no consumo, sendo distribuído proporcionalmente por cada uma das imposições abrangidas com base nas respetivas taxas normais de tributação, excluindo-se o imposto sobre o valor acrescentado, ao qual se aplicam os procedimentos próprios deste imposto.
3 - O reembolso previsto nos números anteriores é apenas aplicável às viaturas com um peso total em carga permitido não inferior a 7,5 toneladas, matriculadas num Estado membro, tributadas em sede de imposto único de circulação, ou tributação equivalente noutro Estado membro, nos escalões definidos por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia.
4 - Os valores unitários do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e demais imposições a
reembolsar nos termos do presente artigo são fixados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia, respeitando o limiar mínimo de tributação estabelecido no artigo 7.º da Diretiva n.º 2003/96/CE, do Conselho, de 27 de outubro de 2003.
5 - A portaria referida no número anterior fixa também o valor máximo de abastecimento anual, por veículo, elegível para reembolso, entre 25 000 e 40 000 litros.
6 - O reembolso parcial do imposto é devido ao adquirente, sendo processado em relação a cada abaste-
cimento com observância do limite previsto no n.º 4 do artigo 15.º, através da comunicação por via eletrónica, a efetuar pelos emitentes de cartões frota ou outro mecanismo de controlo certificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), dos seguintes dados:
a) A matrícula da viatura abastecida e o Estado membro de emissão da mesma;
b) A quilometragem da viatura no momento do abastecimento;
c) O número de identificação fiscal (NIF) do adquirente do combustível, que seja proprietário, locatário financeiro ou locatário em regime de aluguer sem condutor da viatura abastecida e devidamente licenciada para o transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem;
d) O volume de litros abastecidos e o respetivo preço de venda;
e) O tipo de combustível;
f) A data e o local do abastecimento;
g) O número e a data da fatura correspondente;
h) O número do cartão ou outro mecanismo de controlo individualizado por viatura utilizado no registo
dos abastecimentos;
i) O número de identificação em sede de imposto sobre o valor acrescentado emitido por outro Estado membro, a denominação, a morada da sede ou do estabelecimento estável, o código de atividade (NACE), o endereço de correio eletrónico e o número internacional de conta bancária (IBAN), em relação aos adquirentes sem NIF ou número de identificação de pessoa coletiva (NIPC) portugueses;
j) O peso total em carga permitido da viatura, quando matriculada noutro Estado membro.
7 - O reembolso referido nos números anteriores depende da certificação pela AT dos sistemas de registo e comunicação de abastecimentos, bem como dos locais de abastecimento.
8 - Os procedimentos de controlo deste mecanismo de reembolso são fixados por portaria dos membros
do Governo responsáveis pelas áreas da modernização administrativa, das finanças e da economia, na qual se determinam designadamente:
a) As obrigações acessórias dos emitentes de cartões frota ou outro mecanismo de controlo certificado, dos revendedores e dos adquirentes de combustíveis;
b) A dispensa de comunicação de algum dos dados previstos no n.º 6, designadamente em relação à infor-
mação que seja transmitida à AT no âmbito de outros procedimentos;
c) Os requisitos dos sistemas de registo, controlo e comunicação de abastecimentos;
d) As condições de exigibilidade e especificações técnicas de aditivos para marcação do gasóleo que beneficie do presente regime de reembolso.
9 - O presente regime de reembolso parcial aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, ao abastecimento a depósitos localizados em instalações de consumo próprio de empresas de transporte de mercadorias exclusivamente destinadas às viaturas previstas no n.º 3.
10 - O reembolso parcial do imposto ao adquirente é devido no prazo de 90 dias após a comunicação à AT do respetivo abastecimento.»

Esta medida surge num quadro europeu que, no sector dos transportes rodoviários, se afigura extremamente competitivo e que conta, há já algum tempo e em vários países (como por exemplo, Espanha e França4), com mecanismos de descontos próprios para o sector no preço do gasóleo. A diferença então existente entre o regime português e outros regimes europeus conduzia a que parte significativa dos consumos de combustíveis por parte de empresas nacionais fosse deslocada para fora do território português. Deste modo, a criação deste regime em Portugal surge como resposta às já muito antigas reivindicações das transportadoras portuguesas5 no sentido de contrariar aquela diferença de regimes.

1.2. Este benefício aparece, assim, como uma “bolsa de oxigénio” para os transportes rodoviários, segundo destacaram os seus representantes do sector, que se encontra especialmente fragilizado, não apenas pela situação económica em que o país se encontra, como ainda pelo aumento, no início deste ano, do preço dos combustíveis e da introdução de taxas de portagem nas antigas SCUT.

Através do nivelamento da carga fiscal em Portugal com a tributação praticada nesses outros países europeus, apesar do sacrifício de receita do Estado gerada pelo regime de reembolso, a intenção é que esta medida represente um considerável aumento do número de abastecimentos de gasóleo em Portugal, o que implicará, por si só, arrecadação de receita e, por isso, é expectativa do Executivo que esta medida cause um impacto fiscal neutro.
Neste contexto, e em resultado de um projecto conjunto entre o Estado Português, a ANTRAM e a Associação Nacional das Transportadoras Portuguesas6, foi criado o regime do reembolso parcial dos impostos que incidem sobre o gasóleo rodoviário, com excepção do Imposto sobre o Valor Acrescentado7, a empresas de transporte de mercadorias, em abastecimentos em veículos com peso total em carga igual ou superior a 35 toneladas.

1.3. A referida Lei do Gasóleo Profissional entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, mas o regime só produzirá efeitos a partir do primeiro dia do próximo ano8.
As condições e procedimentos deste regime foram determinados pela Portaria n.º 246-A/2016, de 8 de Setembro9, na qual foi também instituído um período experimental, para efeitos de teste e controlo de sistemas de registo e comunicação, o qual se encontra a decorrer desde 15 de Setembro, nas zonas fronteiriças de Vilar Formoso, do Caia, de Vila Verde de Ficalho e de Quintanilha10.
Acresce que, para estabelecer as orientações e procedimentos para a operacionalização imediata do regime experimental, foi, por despacho do Subdirector-Geral dos Impostos Especiais sobre o Consumo, emitido o Ofício Circulado n.º 35.060, de 13.09.201611.


2. O reembolso parcial de impostos sobre o gasóleo profissional

Importa começar por salientar que este regime se aplica a um tipo concreto de combustível, desde que relativamente ao adquirente, ao veículo, ao posto de combustível ou à instalação de consumo próprio, se verifiquem determinados requisitos, que analisaremos adiante.

2.1. Combustível abrangido
O reembolso parcial de impostos aplica-se aos abastecimentos de gasóleo rodoviário12 utilizado como carburante para fins comerciais, classificado pelos códigos NC 2710 19 41 a 2710 19 4913. Este combustível não é mais do que o gasóleo comum comercializado pelas petrolíferas para abastecimento dos veículos automóveis.

2.2. Montante do reembolso
O regime do reembolso parcial do gasóleo rodoviário consiste na devolução da diferença entre:

  1. o nível mínimo de tributação previsto no artigo 7.º, da Directiva 2003/96/CE, de 27 de Outubro14, que está fixado em € 0,33/litro; e

  2. o montante dos três impostos indirectos, o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos15, a Contribuição de Serviço Rodoviário e a Taxa de Carbono “Acondicionamento sobre as emissões de CO2”, com excepção do IVA16, que actualmente representam uma carga fiscal total de € 0,46/litro.

Nestes termos, o montante total do reembolso parcial de impostos será de € 0,126/litro17.

2.3. Requisitos de elegibilidade relativos ao adquirente
Apenas podem ser beneficiários do reembolso parcial os adquirentes que sejam licenciados como empresas de transporte de mercadorias18, com sede ou estabelecimento estável num Estado-membro da União Europeia19.

Para que possam beneficiar do reembolso de parte dos impostos, é requisito essencial que os adquirentes utilizem o seu número de identificação fiscal20 nos abastecimentos do gasóleo rodoviário21.
Os adquirentes sediados ou com estabelecimento estável em outros Estados-membros, para que possam beneficiar do reembolso, devem adoptar um dos possíveis procedimentos:

  1. inscrição no Instituto dos Registos e Notariado, no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, para que possam obter um NIF em Portugal;

  2. registo no Portal da Autoridade Tributária e Aduaneira22 através do número de registo de identificação dos operadores económicos23, utilizando, em cada abastecimento, o seu número de identificação para efeitos de IVA emitido pelo seu Estado-membro;

  3. utilização do número de identificação de IVA, mesmo que não esteja inscrito ou registado24.


2.4. Requisitos de elegibilidade relativos aos veículos
Só são reembolsáveis os abastecimentos de gasóleo rodoviário efectuados em veículos pesados de mercadorias que, cumulativamente:

  1. estejam licenciados para o transporte de rodoviário de mercadorias por conta de outrem25;

  2. sejam propriedade dos adquirentes elegíveis ou estejam em regime de locação financeira ou de aluguer sem condutor26;

  3. sejam tributados na Categoria D do Imposto Único de Circulação27 ou sejam veículos equivalentes matriculados em outros Estados-membros;

  4. tenham peso total em carga igual ou superior a 35 toneladas28.

Os abastecimentos em veículos pesados matriculados em outro Estado-membro da União Europeia só são elegíveis para efeitos de reembolso se estes estiverem registados no Portal da AT. Não estando, em cada abastecimento devem ser fornecidos os elementos relativos ao veículo29.

2.5. Limites quantitativos
O reembolso de impostos sobre o gasóleo rodoviário está limitado ao abastecimento de 30.000 litros30, por veículo, por ano civil, independentemente da transferência da propriedade ou locatário.

2.6. Requisitos de elegibilidade relativos aos postos de combustível
Apenas serão reembolsáveis os impostos sobre o gasóleo rodoviário, relativos aos abastecimentos efectuados em postos de combustível que possuam sistemas de registo e comunicação de abastecimentos previamente certificados pela AT31.
A certificação dos postos de abastecimento pela AT depende de estes:

  1. possuírem um sistema de controlo interno que garanta a veracidade dos dados registados para subsequente transmissão àquela32;

  2. garantirem a existência de condições tecnológicas para o cumprimento das comunicações electrónicas necessárias ao processamento dos reembolsos33;

  3. utilizarem cartões frota – emitidos pelas petrolíferas ou pelos seus representantes34 – os quais deverão servir de documento identificativo de cada adquirente e seus veículos35.

Enquanto não houver decisão final relativa à autorização da adesão do posto de combustível ao regime do gasóleo profissional, a AT pode admitir provisoriamente os postos de abastecimento cadastrados na ENMC36.

2.7. Requisitos de elegibilidade relativos às instalações de consumo próprio
Para que as instalações de consumo próprias sejam autorizadas pela AT37, os beneficiários devem garantir:

  1. um sistema de controlo interno que garanta a veracidade dos dados registados38;

  2. um inventário permanente do gasóleo contido nos depósitos, dos abastecimentos efectuados e dos fornecimentos aos veículos39;

  3. concessão de acesso permanente da AT aos depósitos e instalações para efeitos de controlo40;

  4. condições tecnológicas adequadas para cumprimento das comunicações electrónicas à AT41;

  5. que os reservatórios localizados nas instalações particulares servem apenas para o abastecimento de gasóleo profissional42. Dito de outro modo, os depósitos devem apenas servir para abastecer veículos pesados com peso total em carga igual ou superior a 35 toneladas.

Para efeitos de controlo do abastecimento exclusivo deste tipo de veículos, está prevista a marcação do gasóleo nos respectivos depósitos, para que possa ser distinguido do gasóleo rodoviário que não beneficia de reembolso43.

2.8 Procedimento de registo e comunicação dos abastecimentos
O controlo deste regime exige que os postos de abastecimento devem registar todos os abastecimentos no sistema informático previamente certificado pela AT, devendo os mesmos conter os seguintes dados44:

  1. código do estabelecimento;

  2. data e hora do abastecimento;

  3. número de litros abastecidos;

  4. preço de venda dos litros abastecidos;

  5. NIF ou, em relação aos adquirentes sem NIF português, o número de identificação em sede de IVA emitido por outro Estado-membro do adquirente do combustível;

  6. país emissor do NIF ou do número de identificação em sede de IVA;

  7. matrícula do veículo;

  8. país emissor da matrícula;

  9. quilometragem da viatura no momento do abastecimento;

  10. número da factura ou documento equivalente;

  11. data da factura ou documento equivalente;

  12. número do cartão frota ou outro mecanismo de controlo individualizado por veículo utilizado no registo dos abastecimentos;

  13. peso total em carga permitido do veículo, quando matriculado noutro Estado-membro;

  14. tipo de combustível abastecido.

Os dados registados relativos aos abastecimentos devem ser comunicados electronicamente pelas petrolíferas à AT, tanto nos abastecimentos de veículos em postos de abastecimento, como nos abastecimentos dos reservatórios privados45 e, pelos beneficiários, aquando dos subsequentes abastecimentos nos veículos46.
Os abastecimentos devem ser comunicados à AT até ao dia 15 do mês seguinte àquele em que são efectuados47.
Os dados comunicados são disponibilizados no Portal da AT até ao dia 20 do mês seguinte ao do abastecimento, na área de cada titular de número de identificação fiscal ou pelo EORI atribuído por outro Estado-membro, podendo ser objecto de reclamação até ao dia 25 do mês seguinte ao do abastecimento48. Isto significa que, no caso de AT apenas disponibilizar a informação relativa a um abastecimento no último dia, o adquirente tem um prazo muito curto para reclamar – no limite, terá apenas cinco dias para fazê-lo.
Acresce referir que os reembolsos são processados individualmente, com base em cada abastecimento comunicado, e são efectuados desde que o valor a reembolsar seja igual ou superior a € 25,0049.
Se o montante de impostos reembolsável é de € 0,126 por litro de gasóleo rodoviário, para que haja reembolso é necessário que sejam abastecidos 199 litros (em cada vez)50.

A restituição parcial dos impostos deve ser efectuada pela AT, por transferência bancária, para a conta da empresa de transporte de mercadorias. Acontece, porém, que, o prazo conferido à AT para o fazer, segundo a Lei do Gasóleo Profissional, é de noventa dias após a comunicação do abastecimento51; já na Portaria é determinado o prazo de três meses após a comunicação do abastecimento52. Considerando o princípio constitucional da hierarquia das leis e o princípio da precedência da lei, previsto no n.º 6 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa, sendo a portaria um acto subordinado à lei e não podendo contrariar o conteúdo da desta (que é hierarquicamente superior), no caso de conflito deve prevalecer o prazo determinado na Lei do Gasóleo Profissional, ou seja, noventa dias53.


3. Período Experimental

Através da autorização concedida ao Governo, no n.º 3 do artigo 4.º da Lei do Gasóleo Profissional, este determinou, através da Portaria, a aplicação do regime do reembolso parcial de gasóleo profissional apenas em parte do território nacional, antes da produção de efeitos do diploma prevista para o primeiro dia do próximo ano54. Tal como consta do preâmbulo da Portaria, “[t]endo em vista a necessidade de monitorizar a implementação de uma medida desta natureza, bem como de testar os sistemas de controlo adequados, o Governo determina ainda a existência de um período experimental a partir do próximo dia 15 de Setembro”.
Neste contexto, foi determinada a implementação de um projecto-piloto, a vigorar em 55 postos de abastecimento de 4 localidades fronteiriças com maior volume de transporte de mercadorias, designadas pela lei como áreas piloto: Zona de Vilar Formoso, Zona do Caia, Zona de Vila Verde de Ficalho e Zona de Quintanilha55.
Saliente-se que os abastecimentos em instalações de consumo próprio não estão contemplados no regime experimental56.
Atendendo à necessidade de implementação imediata do regime, a AT emitiu o Ofício Circulado, no qual foram estabelecidas instruções de operacionalização do reembolso parcial, aplicáveis apenas durante o período de teste.
As orientações da AT listam os requisitos que devem ser cumpridos pelos adquirentes, veículos e postos de abastecimento, clarificam as determinações relativas ao registo e à comunicação dos abastecimentos e ao processamento do reembolso e o montante do reembolso, de acordo com o previsto na Lei do Gasóleo Profissional e na Portaria.
Relativamente à validação dos sistemas de registo dos abastecimentos, é determinado no referido Ofício Circulado que as entidades emitentes de cartões frota devem enviar para o endereço da AT, em ficheiro excel – dsieciv@at.gov.pt –, as seguintes informações:

  1. identificação dos postos de combustível localizados nos concelhos abrangidos pelo período experimental; e

  2. identificação dos cartões frota aceites nos postos identificados.

Depois da análise dos elementos submetidos, as entidades emitentes dos cartões frota serão notificadas pela AT relativamente à validação ou não dos mesmos57.


4. Conclusão

4.1. O argumento utilizado pelo Governo para a criação de um regime nacional para o gasóleo profissional foi, de acordo com o que consta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 23/XIII, o facto de, “ao longo de mais de uma década, as empresas de transportes internacionais [terem] deslocado os seus abastecimentos de combustíveis para fora de Portugal, beneficiando dos mecanismos de «gasóleo profissional» existentes em Espanha e em França (…)”58.
Ora, como vimos, o regime do reembolso parcial dos impostos sobre o gasóleo rodoviário aplica-se, grosso modo, aos adquirentes que sejam empresas licenciadas como de transporte de mercadorias, em abastecimentos efectuados em seus veículos pesados de mercadorias com peso superior total ou em carga superior a 35 toneladas, exclusivamente afectos àquela actividade.
A justificação apresentada para a implementação do regime do gasóleo profissional cria a percepção de que era justificável que o mesmo se aplicasse à universalidade de agentes económicos que efectuam o transporte de mercadorias, o que, contudo, não aconteceu. Com efeito, a Lei do Gasóleo Profissional foi criada, apenas, para um pequeno segmento do transporte de mercadorias.
Num primeiro plano, a medida marginaliza as empresas que efectuam transporte de mercadorias por conta própria ou particular como actividade acessória do conjunto das suas actividades59, como, por exemplo, uma empresa de mobiliário que produz os seus produtos, procedendo ainda à respectiva comercialização e transporte.
Num segundo plano, o facto de a medida limitar a aplicação do regime aos abastecimentos efectuados em veículos com peso igual ou superior em carga a 35 toneladas, exclui as empresas de transporte de mercadorias que não possuem, na sua frota, veículos com esse peso.
No âmbito mais alargado dos transportes rodoviários, a medida aparece também como sendo discriminatória na medida em que impossibilita que empresas de transporte rodoviário de passageiros beneficiem do regime.
Se, de facto, como invocou o Executivo, se verificava, até à aprovação deste regime, uma retirada dos abastecimentos das empresas de transportes internacionais para fora de Portugal e essa circunstância significava perda de receita, sendo o objectivo deste regime recuperá-la, ficou por esclarecer por que motivo foram excluídos do seu âmbito todos estes operadores económicos, que possivelmente também deslocam os seus abastecimentos para outros países e cujo regresso ao consumo nacional decerto beneficiaria todos os agentes e também a receita fiscal.

4.2. A concessão de uma vantagem fiscal a um segmento tão específico, sobretudo se se atender ao facto de que o tecido empresarial português é maioritariamente composto por pequenas e médias empresas e estas poderão não ser as que possuem o tipo de veículos especificamente visados por este regime, justifica que se considere admissível entender que, relativamente a este regime do gasóleo profissional, se possam levantar questões de concorrência a nível europeu, por se poder tratar eventualmente de um auxílio de Estado, que, sem prejuízo da necessária análise dos respectivos contornos concretos, são, em regra, proibidos por serem incompatíveis com o Mercado Comum60.

4.3. De todo o modo, do lado das transportadoras rodoviárias de mercadorias portuguesas abrangidas, a criação do regime do gasóleo profissional é uma medida que, através da desoneração de parte da carga fiscal, permitirá às empresas portuguesas competir a nível europeu, resultando essa vantagem no aumento das exportações.

Não obstante este regime suscitar algumas questões quanto à extensão do âmbito de aplicação e, portanto, ao alcance das vantagens que dele podem advir, uma vez cumpridos os seus objectivos, o novo regime contribuirá para a recuperação de consumos até aqui feitos no estrangeiro e, por conseguinte, um aumento da receita fiscal.

______________________________________

1 Doravante designada por “Lei do Gasóleo Profissional”.
2 Adiante apenas referido como “CIEC”.
3 No âmbito do referido regime foi também introduzido o artigo 109.º-A no Regime Geral das Infracções Tributárias, o qual se encontra excluído da presente análise.
4 Cfr. 1.º parágrafo da Exposição de Motivos constante da Proposta de Lei n.º 23/XIII, que precedeu a Lei do Gasóleo Profissional.
5 Para mais desenvolvimentos, consultar o Comunicado de Imprensa, de 15 de Setembro, da Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias (doravante, “ANTRAM”), disponível em www.antram.pt. A ANTRAM é uma entidade de utilidade pública que representa as entidades singulares ou colectivas, suas associadas, que desenvolvem a actividade de transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem, tendo como sua principal missão assegurar e garantir a defesa dos interesses dos seus Associados e a afirmação e salvaguarda dos valores empresariais – cfr. http://www.antram.pt/paginas/8.
6 Associação, comumente designada por “ANTP”, cujo objecto é, de acordo com os seus Estatutos, promover, defender, representar, em todos os sectores da actividade económica, fiscal, laboral e judicial, bem como promover, elaborar e executar formação profissional para os seus associados (pessoas singulares ou colectivas que legalmente desenvolvam a actividade de transportes públicos rodoviários de mercadorias.
7 Adiante, “IVA”.
8 Cfr. n.os 1 e 2 do artigo 4.º da Lei do Gasóleo Profissional.
9 Doravante designada apenas por “Portaria”.
10 Cfr. n.º 2 do artigo 15.º da Portaria.
11 Doravante apenas “Ofício Circulado”.
12 Existem outros tipos de gasóleo: o colorido e marcado e o de aquecimento. O gasóleo rodoviário é o combustível utilizado para motores de ignição por compressão – cfr. n.º 1 do artigo 1.º, e alínea g) do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 89/2008, de 30 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 142/2010, de 31 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 214-E/2015, de 30 de Setembro.
13 A Nomenclatura Combinada (“NC”) é a nomenclatura das mercadorias da União Europeia que satisfaz as exigências das estatísticas do comércio internacional e da pauta aduaneira, de acordo com o disposto no artigo 9.º do Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia (“Tratado de Roma”).
14 Directiva que define os níveis mínimos de tributação dos produtos energéticos – cfr. 3.ª Linha, do Quadro A, do Anexo I da Directiva.
15 Doravante apenas designado por “ISP”.
16 Cfr. artigo 3.º da Portaria n.º 246-A/2016, de 8 de Setembro.
17 Cfr. n.º 4 do artigo 93.º-A do CIEC, aditado pelo artigo 2.º, da Lei do Gasóleo Profissional e artigo 3.º da Portaria.
18 De acordo com o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16 de Julho, relativo ao Regime Jurídico da Actividade de Transporte Rodoviário de Mercadorias (adiante “RJATRM”), a actividade de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem só pode ser exercida por sociedades comerciais ou cooperativas, licenciadas pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P (doravante “IMT, I.P.”). O licenciamento obtém-se através de alvará ou licença comunitária.
19 Cfr. n.º 1 do artigo 93.º-A do CIEC, aditado pelo artigo 2.º da Lei do Gasóleo Profissional, e n.º 1 do artigo 7.º da Portaria.
20 Adiante apenas referido como “NIF”.
21 Cfr. n.º 2 do artigo 7.º da Portaria.
22 Doravante “AT”.
23 É um número atribuído a cada operador para servir de referência comum nas suas relações com as autoridades aduaneiras em toda a Comunidade e, bem assim, na troca de informações entre autoridades aduaneiras e entre estas e outras autoridades – cfr. Regulamento n.º 312/2009, da Comissão, de 16 de Abril de 2009 (doravante apenas referido por “EORI”).
24 Cfr. n.º 1 do artigo 93.º-A do CIEC, aditado pelo artigo 2.º da Lei do Gasóleo Profissional, e artigo 7.º, da Portaria.
25 Cfr. n.º 1 do artigo 93.º-A do CIEC, aditado pelo artigo 2.º da Lei do Gasóleo Profissional, Ponto I, do Ofício Circulado, e n.º 1 do artigo 14.º do RJATRM.
26 Cfr. n.º 2 do artigo 93.º-A do CIEC, aditado pelo artigo 2.º da Lei do Gasóleo Profissional, e artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 7.º da Portaria.
27 Comumente designado por “IUC”.
28 Cfr. n.º 1 do artigo 5.º da Portaria.
29 Cfr. n.º 4 do artigo 5.º da Portaria.
30 Cfr. artigo 6.º da Portaria.
31 Cfr. artigo 9.º da Portaria.
32 Cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º, e n.º 1 do artigo 9.º da Portaria.
33 Cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º, e n.º 1 do artigo 9.º da Portaria.
34 Cfr. n.º 1 do artigo 11.º da Portaria.
35 Cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º da Portaria.
36 “Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis – E.P.E.” – cfr. n.º 2 do artigo 9.º da Portaria.
37 Que são aquelas que pertencem a empresas de transporte exclusivo de mercadorias, previstas no n.º 1 do artigo 7.º da Portaria.
38 Cfr. alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º da Portaria.
39 Cfr. alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º da Portaria.
40 Cfr. alínea c) do n.º 5 do artigo 10.º da Portaria.
41 Cfr. alínea d) do n.º 5 do artigo 10.º da Portaria.
42 Cfr. n.º 2 do artigo 10.º da Portaria.
43 Cfr. n.º 2 do artigo 10.º da Portaria.
44 Cfr. n.º 1 do artigo 11.º da Portaria.
45 Cfr. n.º 1 do artigo 11.º da Portaria.
46 Cfr. n.º 4 do artigo 10.º da Portaria.
47 Cfr. n.º 2 do artigo 11.º da Portaria.
48 Cfr. artigo 12.º da Portaria.
49 Cfr. n.º 1 do artigo 13.º da Portaria, e n.º 4 do artigo 15.º do CIEC.
50 € 0,126 x 199 = € 25,07.
51 Cfr. n.º 10 do artigo 93.º-A do CIEC, aditado pelo artigo 2.º da Lei do Gasóleo Profissional.
52 Cfr. artigo 13.º da Portaria e n.º 4 do artigo 15.º do CIEC.
53 Apesar de poder parecer despiciendo, a contagem de um prazo de três meses e de noventa dias é distinta e o respectivo termo pode ocorrer em datas diferentes.
54 Cfr. artigo 15.º da Portaria e artigo 4.º da Lei do Gasóleo Profissional.
55 Cfr. n.º 2 do artigo 15.º da Portaria.
56 Cfr. n.º 3, do artigo 15.º, da Portaria.
57 Cfr. Ponto VI do Ofício Circulado.
58 Cfr. novamente 1.º parágrafo da Proposta de Lei n.º 23/XIII, que precedeu a Lei do Gasóleo Profissional.
59 Cfr. alínea c), do artigo 2.º, do Regime Jurídico da Actividade de Transporte Rodoviário de Mercadorias.
60 Cfr. artigo 87.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.