Fórum Jurídico

Texto PequenoTexto NormalTexto Grande

 

Decreto-Lei n.º 64/2016, de 11 de Outubro – Alterações aos regimes de troca de informações no domínio da fiscalidade e criação de novas regras para as instituições financeiras

Sílvia Bessa Venda, Mestre em Direito, Advogada Estagiária, Abreu Advogados

1. O Decreto-Lei n.º 64/2016, de 11 de Outubro, na sequência da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 2016), e em transposição da Directiva n.º 2014/107/UE, do Conselho, de 9 de Dezembro de 2014 (“DAC2”)1, veio:


  1. regulamentar as regras, procedimentos e prazos complementares necessários à implementação do Regime de Comunicação de Informações Financeiras (“RCIF”), aprovado pelo artigo 239.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015);


  2. definir as obrigações das instituições financeiras, no que respeita a regras de diligência devida (“due dilligence”) e comunicação de informações à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”);


  3. introduzir um mecanismo de troca automática e recíproca de informações financeiras, da competência da AT, relativamente a residentes noutros Estados-Membros da União Europeia ou em outras jurisdições que tenham adoptado a Norma Comum de Comunicação (Common Reporting Standard – “CRS”), desenvolvida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (“OCDE”)2 e que tenham adquirido produtos financeiros ou contratado determinados serviços junto de instituições financeiras com sede ou sucursal em Portugal;

  4. e

  5. alterar três diplomas: o Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de Maio (que transpõe a Directiva n.º 2011/16/UE, do Conselho, de 15 de Fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, que revogou a Directiva n.º 77/799/CEE, do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977), o Regime Geral das Infracções Tributárias (“RGIT") e o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (“RCPIT”).


2. A Regulamentação do RCIF
O RCIF foi criado para assegurar as condições necessárias à aplicação dos mecanismos de cooperação internacional e de combate à evasão fiscal previstos na Convenção, celebrada entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América (“EUA”), destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento3, e no Foreign Account Tax Compliance Act (“FATCA”)4. A regulamentação complementar adoptada pelo Decreto-Lei n.º 64/2016 aplica-se, assim, às obrigações assumidas por Portugal no âmbito desses dois diplomas jurídicos internacionais.
Com efeito, o RCIF já estabelecia obrigações para as instituições financeiras em matéria de identificação de determinadas contas e de comunicação de informações à AT. O diploma em apreço veio regulamentar essas obrigações, desenvolvendo os conceitos de instituições financeiras reportantes e não reportantes, as contas financeiras abrangidas e excluídas e as regras/procedimentos de diligência devida a que estão obrigadas as instituições abrangidas.

3. As alterações ao Decreto-Lei n.º 61/2013
Ao abrigo da transposição da DAC2, foram introduzidas no ordenamento jurídico português obrigações que impendem sobre as instituições financeiras, respeitantes a regras de diligência devida e comunicação de informações à AT, para efeitos de troca obrigatória e automática de informações, i.e., da “comunicação sistemática de informações predefinidas sobre residentes noutros Estados-membros ao Estado-membro de residência relevante, sem pedido prévio, em intervalos regulares preestabelecidos”5. Desta feita, apenas ficam dispensadas deste regime de comunicação as entidades e contas financeiras expressamente excluídas, pela sua natureza, nos artigos 4.º-B, 4.º-E e 4.º-F da nova redacção do Decreto-Lei n.º 61/2013 e, bem assim, as que, por representarem um baixo risco de serem utilizadas para efeitos de evasão fiscal, sejam elencadas na lista a ser definida pelo membro do Governo responsável pela área das finanças6.
As instituições financeiras abrangidas por estas novas regras passam a estar obrigadas a reportar, relativamente a contas por si mantidas, um amplo espectro de informações, desde as atinentes à identificação do titular da conta ao saldo da mesma (incluindo o montante bruto total dos juros pagos ou creditados, durante o ano civil relevante).
Tais informações devem ser comunicadas à AT até ao dia 31 de Julho de 2017 ou até ao dia 31 de Julho de 2018, conforme sejam relativas aos períodos de tributação iniciados em 2016 ou em 2017, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 64/2016.
O diploma prevê, ainda, regras a serem observadas por todas as entidades envolvidas – instituições financeiras reportantes, AT e Estados-Membros/outras jurisdições de recepção da informação trocada – no tratamento dos dados pessoais fornecidos, para salvaguarda dos direitos fundamentais e dos princípios gerais em matéria de protecção destes dados. Desde logo, deve ser observada a Lei da Protecção de Dados Pessoais e a recolha de informação deve limitar-se ao necessário para o cumprimento das obrigações e finalidades deste regime. Sempre que se verifique uma violação de privacidade, a AT deve comunicar tal ocorrência às pessoas singulares respectivamente afectadas8.

4. As consequências do incumprimento
Foram aditadas três novas contra-ordenações fiscais ao RGIT, relativas às instituições financeiras reportantes que não comuniquem (ou comuniquem fora do prazo legal) as informações a que estão adstritas ou que o façam recorrendo a omissões, inexactidões ou em violação dos procedimentos de diligência devida (e de registo e conservação de documentos) aplicáveis. Tais ilícitos serão punidos com coimas que podem ascender aos 22.500 €9.

4. Produção de efeitos e conclusão
O Decreto-Lei n.º 64/2016 encontra-se em vigor desde 1 de Janeiro de 201610 e constitui mais um avanço das políticas de reforço da eficiência e transparência fiscais e de eficácia da cobrança de impostos – através da forma mais ampla da automática troca de informações. A “nova regra” surge assim em detrimento do segredo bancário que, segundo o Comissário Europeu dos Assuntos Fiscais, “está morto”.



____________________________
1 Que altera a Directiva n.º 2011/16/EU, do Conselho, de 15 de Fevereiro de 2011 (“DAC1”).
2 Ou com as quais Portugal tenha assumido, em matéria de troca automática de informações de contas financeiras, obrigações de troca automática de informações, decorrente de convenção ou outro instrumento jurídico internacional convencional celebrado com essa jurisdição, nos termos do qual devam ser prestadas as informações especificadas na CRS. A CRS, que foi criada a pedido do G20 e aprovada pelo Concelho da OCDE em 15 de Julho de 2014, “chama” os países a obter informações das suas instituições financeiras e a trocá-las, automática e anualmente, com outos países. A lista das jurisdições que aceitaram trocar entre si informações, ao abrigo deste standard, ascende, actualmente, a cerca de uma centena e encontra-se disponível em www.oecd.org/tax/automatic-exchange/international-framework-for-the-crs/.
3 Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/95, de 28 de Janeiro.
4 O FATCA constitui uma legislação de direito americano que visa combater a evasão fiscal e promover o cumprimento da lei, por parte dos contribuintes americanos que sejam titulares de contas e activos financeiros fora do território dos EUA. Em 5 de Agosto de 2016, foi publicada, em Diário da República, a Resolução da Assembleia da República n.º 183/2016, que aprovou o Acordo entre a República Portuguesa e os EUA, assinado em 6 de Agosto de 2015, para reforçar o cumprimento fiscal e implementar o FATCA.
5 Cfr. artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 1, alínea i), 5.º (que adita os artigos 7.º-A a 7.º-D ao Decreto-Lei n.º 61/2013) e Anexo II do Decreto-Lei n.º 64/2016.
6 Que, posteriormente, deverá ser comunicada à Comissão Europeia, para publicação no Jornal Oficial da União Europeia.
7 Aprovada pela Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro.
8 Ver artigos 2.º, n.os 4 a 6, 4.º e 5.º (que alteram o artigo 16.º, n.os 2 a 8 e aditam o artigo 16.º-A ao Decreto-Lei n.º 61/2013) do Decreto-Lei n.º 64/2016.
9 Cfr. artigos 8.º e 9.º (que acrescentam os artigos 117.º, n.º 10, e 119.º-B ao RGIT) do Decreto-Lei n.º 64/2016. Foi ainda introduzida, no RCPIT, a atribuição aos funcionários em serviço de inspecção tributária da prerrogativa de verificar o cumprimento das obrigações de comunicação de informações financeiras e de diligência devida, por parte das instituições financeiras reportantes (cfr. artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 64/2016, que acrescenta a alínea j) ao n.º 1 do artigo 29.º do RCPIT).
10 Com excepção da regulamentação complementar prevista no artigo 16º do RCIF: cfr. artigos 13.º, n.º 1, e 3.º do Decreto-Lei n.º 64/2016.