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Lei n.º 8/2017, de 3 de Março – Estatuto jurídico dos animais

Luís Fraústo Varona, Advogado Principal, Abreu Advogados
Frederico de Távora Pedro, Advogado Estagiário, Abreu Advogados


1. Foi publicado em Diário da República no passado dia 3 de Março, por intermédio da Lei n.º 8/2017, o estatuto jurídico dos animais, que veio introduzir no nosso ordenamento, mediante alterações e aditamentos ao Código Civil, Código Penal e Código do Processo Civil, um novo enquadramento legal relativamente à situação jurídica dos animais, que entrou em vigor no dia 1 de Maio de 2017.
Até essa data, não gozavam os animais de qualquer protecção jurídica específica, quer da perspectiva civilista quer da perspectiva penalista, estando apenas protegidos pelas normas jurídicas referentes às coisas.

2. Agora, os animais são vistos, aos olhos da lei, e conforme define o novo artigo 201.º-B do Código Civil, como «seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza.». Essa protecção jurídica tem assento tanto em sede penal como em sede civil.
Uma vez considerados os animais e as coisas com nomen iuris distintos, as principais alterações sentidas no Código Civil e introduzidas por esta Lei consistem justamente nessa separação, sendo, para esse feito, modificados os seus artigos 1302.º, 1305.º, 1318.º, 1323.º, 1733.º e 1775.º.
Em todos estes, quer seja por alteração da sua epígrafe e adimento de novo artigo – como é o caso do 1305.º, agora epigrafado de “Propriedade das Coisas”, tal como é a circunstância de ser aditado o 1305.º-A, sob epígrafe de “Propriedade de animais” -, quer seja por introdução de novas alíneas em artigos já existentes – como é o caso dos recém-introduzidas alíneas h) e f) dos números 1 dos artigos 1733.º e 1775.º, que, no caso do 1733.º/1-f), estabelece que os animais de companhia de que os cônjuges sejam proprietários ao tempo da celebração do casamento sob regime de comunhão de bens são bens incomunicáveis, e, no caso do 1775.º/1-h), estabelece que aquando da apresentação de requerimento de divórcio com mútuo consentimento seja apresentado um acordo sobre o destino a dar aos animais de companhia que possam existir -, podemos observar que se destinaram as alterações a acompanhar o novo entendimento perfilhado em relação ao estatuto jurídico de que os animais ora gozam, enquanto seres dotados de sensibilidade e objecto de protecção jurídica especial, e não como meras coisas, sujeitas a direitos de propriedade e sem qualquer estatuto jurídico especial reconhecido.

3. Ainda no que ao Código Civil diz respeito, este sofre duas alterações sistemáticas.
A primeira é a criação, no título II do Livro I, do subtítulo I-A, denominado “Dos Animais”, que contém as normas do 201.º-B a 201.º-C, estabelecendo a definição de animais enquanto seres dotados de sensibilidade e merecedores de protecção jurídica, e definindo as disposições relativas às coisas como regime de aplicação subsidiária às normas sobre animais. A segunda é a alteração da denominação da Secção II do Capítulo II do Título II do Livro III para “Ocupação de coisas e animais”.

4. Também no direito processual civil produziu efeitos a ora vigente Lei n.º 8/2017, ainda que menos relevantes. Com efeito, foi introduzida uma alínea g) ao artigo 736.º, que dita assim que os animais de companhia sejam agora considerados bens absoluta ou totalmente impenhoráveis.

5. Não só no plano das relações de direito civil subjectivas e adjectivas, mas também em sede de direito penal passam os animais a gozar de protecção jurídica especial.
Efectivamente, o Código Penal sofreu alterações nos seus artigos 203.º a 207.º, 209.º a 213.º, 227.º, 231.º a 233.º, 255.º, 355.º, 356.º, 374.º-B a 376.º, sendo que todas essas alterações estão, à semelhança do que sucede no Código Civil, directamente relacionadas com a dicotomia entre animais e coisas, sendo que, por isso, o grosso das alterações que se fizeram sentir no Código Penal correspondem a artigos inseridos no Título II da Parte Especial, intitulado “Dos crimes contra o património”. Não sofre o Código Penal, ao contrário do que sucede no Código Civil, qualquer alteração sistemática.

6. No cômputo geral, o quadro legislativo não sofre alterações de fundo ou verdadeiramente inovadoras, uma vez que grande parte dos efeitos produzidos pela entrada em vigor da nova lei se destinam a clarificar que coisas e animais são agora realidades distintas.
Contudo, cumpre destacar, em relação aos aditamentos ao Código Civil, os artigos 493.º-A e 1305.º-A. O primeiro vem atribuir ao proprietário de um animal um direito à indemnização no caso de um agente produzir lesões ou a morte do referido animal, tomando como referencial do cálculo do valor da indemnização as despesas em que o proprietário incorra devido à lesão (ainda que superior ao valor económico do animal em si), bem como um quantitativo correspondente a danos morais a fixar equitativamente pelo Tribunal. O segundo vem estabelecer um dever do proprietário do animal em garantir o seu bem-estar, respeitando as características da respectiva espécie e esclarecendo, não exaustivamente, alguns dos aspectos abrangidos por essa garantia do seu bem-estar, como a garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão e a garantia de acesso a cuidados médicos e veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas profilácticas, de identificação e de vacinação previstas na lei, retirando ainda do direito de propriedade sobre um animal a possibilidade de injustificadamente lhe infligir dor, maus-tratos, abandono, ou até a morte; não é contudo clara qual será a consequência da violação desse dever.