Fórum Jurídico

Texto PequenoTexto NormalTexto Grande

 

Lei n.º 43/2017, de 14 de junho – Altera o Código Civil, o NRAU (Lei n.º 6/2006) e o Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados (Decreto-Lei n.º 157/2006)

Maria Olinda Garcia, Doutora em Direito, Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Membro e Investigadora do Instituto Jurídico da FDUC
Convidada Abreu Advogados


1. A Lei n.43/2017 (entrada em vigor no dia 15 de junho) veio introduzir significativas alterações no regime do arrendamento urbano, quer em matérias reguladas pelo Código Civil quer pela Lei n.6/2006, alterando ainda o regime das obras em prédios arrendados, o DL n.157/2006.
Uma breve análise destas alterações legislativas permite concluir que elas têm em comum o propósito de proteger interesses dos arrendatários, sobretudo daqueles cujos contratos são mais antigos, que (em regra) se encontram no regime transitório.

2. Alterações ao Código Civil
A Lei n.43/2017 alterou quatro artigos do Código Civil: 1083º, n.3; 1084º, n.5; 1094º, n.3 e 1103º, n.4, n.6 e n.8.
Nos termos do novo n.3 do art.1083º, é elevado de dois para três meses o tempo de mora relevante para que ao locador seja inexigível a manutenção do contrato, permitindo-lhe, consequentemente, operar a resolução do contrato por via extrajudicial (pela comunicação prevista no art.9º, n.7 da lei n.6/2006). Volta-se, assim, à solução que vigorava antes da Lei n.31/2012.
A alteração ao n.5 do art.1084º vem também ampliar um prazo em benefício do arrendatário. Este passa a dispor de 60 dias (em vez dos anteriores 30 dias) para refletir e mudar de atitude, deixando de se opor à realização de obras ordenadas por autoridade pública, depois de notificado. Nesta hipótese, fica sem efeito a resolução por iniciativa do locador fundada naquela oposição.
Para além das duas supra referidas alterações em matéria de resolução (aplicáveis independentemente da finalidade do arrendamento ou da modalidade temporal do contrato), o n.3 do art.1094º altera uma norma supletiva, aplicável aos arrendamentos para habitação. Assim, quando as partes não estipulem expressamente a duração do contrato, este considera-se celebrado por prazo certo pelo período de cinco anos (em vez dos anteriores dois anos). Trata-se, todavia, de uma norma com diminuto alcance prático, dado que as partes mantêm total liberdade contratual para celebrarem o contrato pelo prazo que entenderem.
As alterações ao art.1103º visam reforçar a tutela conferida ao arrendatário, em caso de denúncia de um contrato de duração indeterminada para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos.
O prazo conferido ao arrendatário para desocupar o local arrendado, depois de recebida a confirmação da denúncia, passa de 15 para 60 dias (n.4 do art.1103º).        As soluções compensatórias conferidas ao arrendatário em consequência da denúncia são também melhoradas. Assim, a indemnização passa de um para dois anos de renda, não podendo a base de cálculo ser inferior a 1/15 do valor do locado. Deste modo, caso o arrendatário pague uma renda superior a esse valor, será essa renda a base de cálculo. De contrário, aplica-se o critério que agora se prevê na al. a) do n.6. O momento do pagamento também sofre alterações, pois deixa de ser o da entrega do locado, passando a ser metade paga no momento da confirmação da denúncia e a outra metade no momento da entrega do local arrendado, como dispõe o n.8. Se, em alternativa, as partes optarem pelo realojamento do arrendatário, a al. b) do n.4 vem estabelecer o prazo de três anos como período mínimo durante o qual o locador é obrigado a garantir o realojamento do arrendatário. Todavia, desaparece a referência a qualquer condicionante quanto ao local ou valores de renda do novo contrato, o que se compreende, dado que existe acordo entre as partes quanto à solução do realojamento, que não tem de ser necessariamente em local arrendado (o locador poderá, por exemplo, comodatar um imóvel ao arrendatário pelo prazo de três anos).

3. Alterações à Lei n.6/2006
A Lei n.43/2017 introduziu alterações em duas áreas distintas da Lei n.6/2006 (que também já tinham sido alteradas pela Lei n.31/2012): em matéria de comunicações entre as partes e o regime dos arrendamentos antigos, tanto para habitação como para fins não habitacionais.
Quanto às comunicações entre as partes, foram alteradas as seguintes normas: art.9º, n.7, al. b); art.10º, n.1, al. a) e n.2, al. c); art.12º, n.1.
A al. b) do n.7 do art.9º passa a exigir que o advogado, solicitador ou agente de execução incumbido de notificar o arrendatário (para efeitos de resolução do contrato por falta de pagamento de rendas ou oposição à realização de obra ordenada por autoridade pública) comprove que se encontra mandatado para proceder a tal notificação.
Da alteração à al. a) do n.1 do art.10º, conjugada com a nova al. c) do seu n.2, resulta que o arrendatário que não levanta a carta registada nos correios dentro do prazo previsto no regulamento dos serviços postais não se presume notificado (diferentemente do que acontecia antes desta alteração legislativa). O senhorio terá, assim, de reenviar a carta nos termos previstos nos números 3 e 4 do art.10º.
Estas vicissitudes deverão passar a ser tidas em conta pelos senhorios que pretendam, por exemplo, opor-se à renovação do contrato, o que torna aconselhável a observância de uma antecedência suficiente para que não se verifique essa renovação.
A alteração ao art.12º consiste apenas em explicitar a consequência para a falta de notificação de ambos os cônjuges quando o local arrendado é casa de morada da família. Assim, se a comunicação for dirigida apenas a um dos cônjuges (ainda que seja o único arrendatário), a comunicação é ineficaz.

As alterações ao regime dos arrendamentos habitacionais antigos (contratos celebrados antes da entrada em vigor do RAU de 1990) registam-se no artigo 35º, n.1, n.2, n.4, e n.6 bem como no art.36º, n.7 e n.9 e respeitam quer à duração dos contratos quer ao valor das rendas durante o período de transição.
A alteração ao art.35º (aplicável a arrendatários com RABC inferior a cinco RMNA) passa de cinco para oito anos o prazo de duração do contrato em regime transitório (n.1) e estabelece ainda um prazo de duração de cinco anos após a passagem do contrato para o novo regime (n.6, al. b)), na falta de acordo entre as partes. O arrendatário fica, assim, protegido, quanto à estabilidade do contrato, durante 13 anos (a contar do momento em que o senhorio recebeu a resposta do arrendatário, prevista no art.31, n.4, al. a)).
Quanto ao valor da renda a pagar durante os oito anos de vigência do contrato em regime transitório, são introduzidos novos escalões (que se situam entre os dois escalões mais baixos previamente existentes, ou seja, entre 10% e 17%). Caso o agregado familiar tenha um rendimento superior a 500€ por mês, mas inferior a 750€, a renda não poderá ser superior a 13% desse rendimento. Entre os 750€ e os 1000€ essa percentagem passa a ser de 15%.
Os arrendatários que agora passam, teoricamente, a caber nestes dois escalões estavam anteriormente no escalão dos 17%, pelo que se pode levantar a questão de saber se nos contratos cujo processo de atualização está em curso haverá redução de rendas ou se os novos critérios devem valer apenas na hipótese de o senhorio ainda não ter iniciado o processo de transição para o novo regime. O n.4 do art.35º, ao dizer que, no período de 8 anos, o valor atualizado da renda corresponde ao valor da primeira renda devida, parece apontar para esta última interpretação. Todavia, a questão não é isenta de dúvidas.
As alterações ao art.36º (aplicável a arrendatários com idade igual ou superior a 65 anos ou com deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60% consistem na ampliação do período durante o qual o valor da renda se encontra controlado (nos termos do art.35º), o qual passa a ser de 10 anos (a contar da receção pelo senhorio da resposta do arrendatário nos termos do n.4 do art.31º). Este prazo releva apenas para efeitos de controle das rendas e não da duração do contrato, dado que estes contratos não transitam para o novo regime (a não ser por acordo das partes).

As alterações ao regime dos arrendamentos antigos para fins não habitacionais (contratos celebrados antes do DL n.257/1995) encontram-se no art.54º, n.1, 2 e 6. Nos termos do n.1 deste artigo, os arrendatários que se encontrem nas circunstâncias previstas no n.4 do art.51º (microempresas; pessoas coletivas de interesse público dedicada a atividade cultural, recreativa, de solidariedade social ou desportiva; república de estudantes; estabelecimento ou entidade de interesse histórico e cultural ou social local) passam a ter a duração de 10 anos (em vez dos anteriores cinco anos), a contar da receção pelo senhorio da resposta do arrendatário nos termos do n.4 do art.51º. No final deste período, caso o senhorio promova a transição para o novo regime, o contrato vigora ainda, com prazo certo, por mais cinco anos (n.6 do art.54º). Durante este período de 15 anos (na falta de acordo entre as partes) o valor da renda é limitado pela aplicação do critério previsto no art.35, n.2, al. a), ou seja, 1/15 do valor do locado.

As alterações à Lei n.6/2006 compreendem ainda o aditamento do art.57º-A. Esta norma aplica-se aos arrendamentos habitacionais celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.6/2006 e prevê a hipótese de realojamento do arrendatário cujo contrato foi denunciado, nos termos do art.1101º, al. b), para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos. Nesta hipótese, determina-se a não caducidade do novo contrato de arrendamento (supondo que é este o meio legal através do qual se opera o realojamento), em caso de morte do arrendatário e a consequente transmissão da posição contratual segundo as regras previstas no art.57º. Assim, apesar de se tratar de um contrato novo, a lei regula a questão da morte do arrendatário como se de um contrato antigo se tratasse, tornando, mais apertadas as regras para a transmissão do direito (por contraposição com as regras previstas para os novos contratos no art.1106º do CC).

4. Alterações ao DL n.157/2006 (regime das obras em prédios arrendados)
A Lei n.43/2017 alterou os artigos 4º, 6º, 8º e 25º do DL n.157/2006, tendo como objetivo ampliar a tutela da posição do arrendatário em caso de denúncia do contrato de arrendamento para demolição do imóvel ou realização de obras de remodelação ou restauro profundo. Este diploma é republicado em anexo à Lei n.43/2017, contendo também as alterações introduzidas pela Lei n.42/2017.
O art.4º estabelece agora critérios mais exigentes para a definição deste tipo de obras, entre os quais se pode destacar o facto de o custo da obra a realizar corresponder, pelo menos, a 25% do valor patrimonial do locado. Os direitos indemnizatórios do arrendatário são ampliados, passando agora a receber dois anos de renda calculados com base no valor patrimonial do locado, quando a renda efetivamente paga não seja superior a esse valor.
É aditado o art.9º-A a este diploma, conferindo ao arrendatário um direito de preferência na celebração de um novo contrato de arrendamento, caso o locador decida dar de arrendamento no prazo de dois anos a partir da data da extinção do contrato.

5. A Lei n.43/2017 é um diploma que se esgota na sua função de introduzir alterações a outros diplomas, em matérias de arrendamento urbano. As alterações introduzidas por esta lei, tanto no Código Civil como na Lei n.6/2006 e no DL n.157/2006 (que republica), apresentam em comum a caraterística de se destinarem a reforçar a tutela dos interesses dos arrendatários, em particular quanto aos arrendamentos mais antigos.